O magestoso pé de IPÊ
Lá estava ele naquela tarde bem quente no centro da cidade abrigando os pássaros, e acolhendo todos (as) que passavam por ali. Nem sei porque surgiu-me esse pensamento nostálgico de quem plantou ou deixou ele tão pequeno na época prosperar e ser a considerada uma da majestosa da cidade.
Esse bonito pé de ipê!!! Percebi que mesmo já idoso dá uma flor roxa, e quer propagar a espécie É esse ipê isolado que é fotografado pela minha retina, solitário em meio ao tráfego, à fumaça e à pressa de todos nós, que precede ano após ano a primavera absolutamente própria da espécie. Porque os ipês não obedecem às estações; florescem de junho a setembro, indiferentes aos recortes do tempo e às medidas dos homens.
Leio que pertencem à família das bignoniáceas, e que seu nome tem origem tupi-guarani, significando ‘pau ou madeira que flutua’. Para mim, contudo, o sentido é outro. Os ipês são um contraponto possível à eventualidade do mau humor matinal, um rasgo de lirismo no cinza do cotidiano, minha companhia diária no trajeto rumo ao Centro.
E aquele ipê roxo parecia me dizer: "Homem levante a cabeça, a idade pode até limitar, mas nunca é o fim da linha...."
Foi muito bom ti vê, e ser abrigado por algumas horas por você, ele parecia tocar o primeiro acorde da minha infância, parecia que as outras árvores da cidade prestavam reverência, como se todos elas – peças de um dominó colorido – sentissem a obrigação de envernizar os olhos da cidade em penugens amarelas, rosas, brancas ou vermelhas.
Justamente no período menos ensolarado do ano, ele abre suas asas para debochar da paisagem gelada das ruas, da frieza posada dos que trafegam ligeiros em seus carros turbinados sem percebê-lo, do cheiro acre que o vento retira da brisa de madrugada silenciosa e lhe sopra nas folhas, fazendo-as dançar mesmo que não queiram.
Ele é a sílaba tônica, o senão, a epifania plausível na recém-nascida semana. O tom dissonante que torna possível viver as horas seguintes sem a impressão de que são apenas horas, a lufada de ar que empresta oxigênio para o dia todo.
O ipê roxo de uma cidade de pedra, ruas esturrica eliminando vapor, muitos estão alheio aos homens com seus tantos e imensos problemas. Não repara o menino que joga os limões para o alto sinal de trânsito, nem a senhorinha que atravessa a pista com a sacola da Casa & Vídeo nas mãos. Ignora a louca que se julga guarda de trânsito e orienta os motoristas em estranhos movimentos com os braços para um lado e para o outro. Desconhece o preço do táxi, do cinema, da chapinha no cabelo, do prêmio da Mega Sena. E mantém-se em silêncio, na quietude de quem a tudo ignora para apenas estar ali, mas ele fica oferecendo uma visão singela a quem o espreita, por um instante que seja, mesmo seja numa tarde de segunda-feira ensolarada.