Labuta
Acertou quem disse que mulher é como barranco que aguenta o tranco sem saber o porquê. Marta era assim, sustentava os três filhos fazendo faxina nas casas e ainda pegava tudo que aparecia de extra para faturar uns trocados e não deixar faltar o básico aos filhos.
Enquanto isso, Etevaldo, seu esposo, tinha como única ocupação reclamar que a comida não estava boa e que a família de Marta poderia ajudar mais. Quando questionado o porquê de não trabalhar sempre dizia que queriam explorá-lo pagando uma miséria e que emprego estava difícil. Na maioria das vezes pegava dinheiro escondido da mulher e apostava no jogo de baralho, quando ganhava alguma coisa, torrava com cachaça.
As brigas entre os dois eram constantes, dia sim e o outro também. Era uma tardinha de sexta-feira. Marta chegou cansada da labuta. No fim da manhã, a filha mais velha tinha ligado avisando que o gás havia acabado quando colocava o arroz no fogo. Disse também que já tinha pedido dinheiro ao pai e ele não tinha. Pouco tempo depois, nova ligação da filha, dessa vez, pra avisar que seu pai tinha conseguido comprar o gás.
Marta estava determinada a colocar um fim naquela relação com Etevaldo, não aguentava mais as brigas, acusações, empurrões e mazela em que vivia, sendo explorada até a alma. Ao chegar em casa não contou conversa, foi logo dizendo a ele que arrumasse suas coisas para ir embora:
_ Etevaldo, eu quero que você vá embora, essa casa é da minha irmã, eu fico na casa com as crianças. Não aguento mais essa vida.
_ Entendi. Sempre soube que você não queria prestar. Quer fazer farra aqui dentro, né? Eu não vou permitir fazer um cabaré junto com meus filhos. Do meu dinheiro você não vai ver um tostão para essas suas sem-vergonhices.
_ Você está louco! Eu só trabalho e você não me ajuda em nada.
_ Não é verdade. Eu não consigo trabalho, mas quando eu tenho dinheiro, dou tudo pra você. Hoje mesmo eu comprei o gás.
_ É a primeira vez que você compra um gás em cinco anos. Isso não é ajuda, é obrigação.
Em meio à discussão, a filha menor do casal já colocava as roupas do pai numa sacola. Os outros dois, ao verem aquela cena, também começaram a pegar os demais objetos do pai para ajudar a irmã a concluir a bagagem. Quando Marta ia dizer para ele pegar as coisas, a filha já entregou lhe a sacola pronta.
Etevaldo achou aquilo uma injustiça. Buscou apoio nos filhos, perguntando a eles se concordavam com sua saída de casa, no que obteve como resposta um sonoro sim, por meio do balançar de e suas cabeças inocentes. Diante disso, dirigiu-se à Marta:
_ Quer mesmo que eu vá embora?
_ Quero sim.
_ Eu vou, mais quero o dinheiro do gás de volta.
_ Como assim?
_ O botijão está cheio, não vou usufruir desse gás. Você que vai usar, então, só saio com o dinheiro do gás.
Marta não sabia como fazer, pois o único dinheiro que tinha era para comprar comida para as crianças, mas não podia continuar. Pegou todo o dinheiro e deu para Etevaldo, só assim ele pegou a sacola de roupas e saiu.
Marta sentou-se na cama, estava exausta, pensava em como compraria comida. Não se arrependia de tê-lo colocado pra fora de casa, não aguentava mais. Nesse instante, os filhos a abraçaram, era nítida a alegria deles com a saída do pai.
Aquele abraço devolveu suas energias, levantou-se e foi até a casa de sua irmã a poucos quarteirões dali. Não gostava de pedir ajuda a irmã porque ela sempre jogava na cara que Etevaldo não prestava, mas não tinha jeito.
Contou à irmã que tinha colocado Etevaldo pra fora de casa. Disse que estava sem dinheiro e precisava de alimentos, mas pagaria assim que fizesse umas faxinas. A irmão de Marta, além de emprestar dinheiro, também fez uma cesta básica para ela.
Agradeceu imensamente pela ajuda e prometeu pagar os cem reais do empréstimo na semana seguinte. Nesse instante, sua irmã, gentilmente, a alertou que o valor não era cem reais e sim duzentos reais, pois tinha ainda os cem reais que Etevaldo tinha pedido emprestado para comprar o gás.