Afliceta II - Porno mesa
Hoje eu estava atacada. A verdade era essa - atacada.
Quando a gente vai elétrica trabalhar dá tudo errado. O jeito é parar, relaxar e pensar que estamos numa praia, com o sol em cima e o Giannechini do lado, ou vice-versa...
Por isso mesmo, fiz meu local de trabalho o mais aconchegante e descontraído possível e com motivos do mar. Um dia desses, me disseram que golfinhos representam a sexualidade. Sei lá se é verdade, mas eu tenho um quadro de golfinhos ao lado da mesa ginecológica e isso traz muita paz; não, aflição...
Tudo em minha sala tem uma história. A minha história de vida está lá naquele lugar.
E entra a paciente chorosa (chamamos de poliqueixosa). Várias queixas ao mesmo tempo:
“Doutora, dói no meu braço e na minha mama. Aí, eu sinto uma coisa nas costas e a menstruação está um horror!”.
Eu não estava num bom dia, impaciente. Em outra época, eu ouviria calmamente e tentaria esmiuçar as queixas, mas o dia estava negro. Muitas preocupações ao mesmo tempo.
Interrompi e falei : “Vamos por partes. Vou tentar ajudar. Comece de baixo pra cima, ou melhor, de cima pra baixo, porque, conforme desce, a coisa vai complicando”.
Vi que eu não iria conseguir nada com aquela senhora. Ela não queria colaborar. Tentei tocar sua mão para a acalmar e aconteceu de novo: Choque. Isso mesmo - choque. Eu dou choque.
Algumas pessoas dão choque, mas comigo é o tempo todo, toda hora. Já tenho uma forma especial de abrir maçanetas e usar a balança, enfim, tudo que é de metal. Atualmente, está acontecendo direto nas pessoas. Se eu as tocar, levo e passo choque, principalmente pela ponta dos dedos.
É uma coisa fugaz, mas faz até barulhindo, independente do lugar onde eu esteja. Algumas pessoas também sentem, não todas.
Tive que chamar um engenheiro que entendesse de eletricidade para ver o que acontecia. Ele falou de cara que era energia estática, transmissão de eletricidade através do nosso corpo, talvez agravada pelo piso do consultório (absurdamente caro, que não vou trocar nunca).
Fiquei na mesma. Vou ter que providenciar um pajé...
Em outros lugares é menos comum, mas, lá no trabalho, é meu tormento.
A paciente sentiu a corrente e se assustou: “Estamos elétricas...”.
Realmente, eu acho que vou dar um curto no meu cérebro qualquer dia desses.
Nesta hora, recebi a ligação de um amigo, que faz mamografia, me sacaneando, é claro: “Aqui, Leila, tudo bem que você anda meio agitada, mas pedir “mamografia por via transvaginal” até dá, só que vai doer um pouquinho. Dá pra mudar o pedido da paciente para a técnica tradicional?”.
Eu tinha pedido Mamografia pensando em Ultra-Sonografia Transvaginal - apenas um acidente de percurso...
Decidi, então, acabar a consulta da paciente poliqueixosa e relaxar na minha mesa ginecológica por uns cinco minutos. A mesa fica em todas as posições que eu quiser: senta, deita, inclina, sobe.
Eu coloquei as pernas nas perneiras e vi o quanto é relaxante. Percebi porque as mulheres falam tanto dela. Umas brincam, dizendo que esta cama iria fazer sucesso com o marido. Imaginem por quê...
Ela foi comprada numa ocasião em que eu estava muito doente da coluna. Ficar curvada para examinar era um sacrifício. Considerando que cada pessoa tem uma altura, mesmo deitada, eu tinha que me curvar e me entortar toda.
Na mesa antiga eu tentei aumentar a altura, mas ficava uma tragédia colocar uma velhinha nela. Praticamente tinha que a empurrar. Não dava. O jeito foi esta de agora – a minha “porno-mesa”, como elas dizem.
Foi bom, porque as deficientes físicas não têm tanto sacrifício em se posicionarem. Eu posso fazer qualquer coisa. Acabou sendo uma importante aquisição para o conforto das doentes.
Lembro de uma senhora, que já curei de um câncer uterino, foi uma das primeiras a se deitar nela e foi justamente ela, com uns 70 anos, que falou pela primeira vez das maravilhas sexuais que a cama poderia proporcionar.
Vê-se que o sexo pode nem ser praticado, mas está na cabeça de qualquer mulher, mesmo da mais doente. Pelo menos, na lembrança.
Ela deitada, do jeito que eu estava naquela hora, enquanto eu estava sentada no banquinho, examinando sua vagina, muito séria (quer dizer, eu estava séria, não a vagina dela).
Ela tinha muita dificuldade em ser examinada, pois apresentava atrofia importante devido à idade e à radioterapia com cobalto na mucosa vaginal.
Mesmo assim, com o seu eterno bom humor, falou :
- “Leila, esta cama me dá pensamentos obscenos...Só falta a afliceta”.
- “O que é isso? “, disse eu , distraída, prestando atenção ao que fazia.
Lá veio ela:
- “Um dispositivo para dar aflição na...”.
Valha-me Deus!!!
Feliz Dia Da Mulher
Rio, 8 de março de 2006
Leila Marinho Lage
Hoje eu estava atacada. A verdade era essa - atacada.
Quando a gente vai elétrica trabalhar dá tudo errado. O jeito é parar, relaxar e pensar que estamos numa praia, com o sol em cima e o Giannechini do lado, ou vice-versa...
Por isso mesmo, fiz meu local de trabalho o mais aconchegante e descontraído possível e com motivos do mar. Um dia desses, me disseram que golfinhos representam a sexualidade. Sei lá se é verdade, mas eu tenho um quadro de golfinhos ao lado da mesa ginecológica e isso traz muita paz; não, aflição...
Tudo em minha sala tem uma história. A minha história de vida está lá naquele lugar.
E entra a paciente chorosa (chamamos de poliqueixosa). Várias queixas ao mesmo tempo:
“Doutora, dói no meu braço e na minha mama. Aí, eu sinto uma coisa nas costas e a menstruação está um horror!”.
Eu não estava num bom dia, impaciente. Em outra época, eu ouviria calmamente e tentaria esmiuçar as queixas, mas o dia estava negro. Muitas preocupações ao mesmo tempo.
Interrompi e falei : “Vamos por partes. Vou tentar ajudar. Comece de baixo pra cima, ou melhor, de cima pra baixo, porque, conforme desce, a coisa vai complicando”.
Vi que eu não iria conseguir nada com aquela senhora. Ela não queria colaborar. Tentei tocar sua mão para a acalmar e aconteceu de novo: Choque. Isso mesmo - choque. Eu dou choque.
Algumas pessoas dão choque, mas comigo é o tempo todo, toda hora. Já tenho uma forma especial de abrir maçanetas e usar a balança, enfim, tudo que é de metal. Atualmente, está acontecendo direto nas pessoas. Se eu as tocar, levo e passo choque, principalmente pela ponta dos dedos.
É uma coisa fugaz, mas faz até barulhindo, independente do lugar onde eu esteja. Algumas pessoas também sentem, não todas.
Tive que chamar um engenheiro que entendesse de eletricidade para ver o que acontecia. Ele falou de cara que era energia estática, transmissão de eletricidade através do nosso corpo, talvez agravada pelo piso do consultório (absurdamente caro, que não vou trocar nunca).
Fiquei na mesma. Vou ter que providenciar um pajé...
Em outros lugares é menos comum, mas, lá no trabalho, é meu tormento.
A paciente sentiu a corrente e se assustou: “Estamos elétricas...”.
Realmente, eu acho que vou dar um curto no meu cérebro qualquer dia desses.
Nesta hora, recebi a ligação de um amigo, que faz mamografia, me sacaneando, é claro: “Aqui, Leila, tudo bem que você anda meio agitada, mas pedir “mamografia por via transvaginal” até dá, só que vai doer um pouquinho. Dá pra mudar o pedido da paciente para a técnica tradicional?”.
Eu tinha pedido Mamografia pensando em Ultra-Sonografia Transvaginal - apenas um acidente de percurso...
Decidi, então, acabar a consulta da paciente poliqueixosa e relaxar na minha mesa ginecológica por uns cinco minutos. A mesa fica em todas as posições que eu quiser: senta, deita, inclina, sobe.
Eu coloquei as pernas nas perneiras e vi o quanto é relaxante. Percebi porque as mulheres falam tanto dela. Umas brincam, dizendo que esta cama iria fazer sucesso com o marido. Imaginem por quê...
Ela foi comprada numa ocasião em que eu estava muito doente da coluna. Ficar curvada para examinar era um sacrifício. Considerando que cada pessoa tem uma altura, mesmo deitada, eu tinha que me curvar e me entortar toda.
Na mesa antiga eu tentei aumentar a altura, mas ficava uma tragédia colocar uma velhinha nela. Praticamente tinha que a empurrar. Não dava. O jeito foi esta de agora – a minha “porno-mesa”, como elas dizem.
Foi bom, porque as deficientes físicas não têm tanto sacrifício em se posicionarem. Eu posso fazer qualquer coisa. Acabou sendo uma importante aquisição para o conforto das doentes.
Lembro de uma senhora, que já curei de um câncer uterino, foi uma das primeiras a se deitar nela e foi justamente ela, com uns 70 anos, que falou pela primeira vez das maravilhas sexuais que a cama poderia proporcionar.
Vê-se que o sexo pode nem ser praticado, mas está na cabeça de qualquer mulher, mesmo da mais doente. Pelo menos, na lembrança.
Ela deitada, do jeito que eu estava naquela hora, enquanto eu estava sentada no banquinho, examinando sua vagina, muito séria (quer dizer, eu estava séria, não a vagina dela).
Ela tinha muita dificuldade em ser examinada, pois apresentava atrofia importante devido à idade e à radioterapia com cobalto na mucosa vaginal.
Mesmo assim, com o seu eterno bom humor, falou :
- “Leila, esta cama me dá pensamentos obscenos...Só falta a afliceta”.
- “O que é isso? “, disse eu , distraída, prestando atenção ao que fazia.
Lá veio ela:
- “Um dispositivo para dar aflição na...”.
Valha-me Deus!!!
Feliz Dia Da Mulher
Rio, 8 de março de 2006
Leila Marinho Lage