AO DOCE ENVELHECER
Envelhecer é caminhada arteira, ardilosa. Cheia de pétalas doces e surradas, tem cheiros ternos e ferozes. No seu bojo traz surpresas que assustam o tempo, que desfiguram o certo, que cambaleiam o ar. Envelhecemos consternados e concisos da sina na qual não podemos dissimular e nem postergar a reverência. Se olharmos pra trás, aplaudiremos o chão ou cuspiremos nele com gosto. Se olharmos pra trás, chacoalharemos os rincões da alma, esgarçando as amarras entulhadas de certezas a granel. A velhice tonteia e ilude quem se dizia Deus. Suas rugas eclodem aflitas e revoltas, acariciando os medos com cheiro coalhado de mãe, por vezes com acordes robustos de madrasta. É voz poente, áspera e atroz. Num dado momento, descem as cortinas e um silêncio brutal adentra decidido. Então compreenderemos no que flertam os grãos de areia, os suores da razão e os resvalos da paixão. Então sacudiremos nossas trouxas, numa descompassada cantoria, rabugenta e desafinada. De tão puída se fez reluzente. De tão voraz se fez sublime e abençoada. De tão rejeitada se fez ancorada e, pasme, se fez feliz.