Leitora voraz
Em dezembro de 2022, a Editora A União publicou minha última produção literária denominada “Meu livro é um fracasso de vendas e outras crônicas”, pelo Selo do Prêmio José Lins do Rego. Conforme o título, até agora apenas doze ledores abriram meu livro para perscrutar seu conteúdo. Entre esses doze propagadores e dissecadores da fé mozartiana está uma professora aposentada, classificada como uma leitora voraz. Por essa graduação, a pessoa considerada “leitora voraz” lê mais de um livro por mês. Possivelmente, essa minha leitora estaria na posição de consumidora insaciável de livros. Neste ano ela leu 46 volumes, sendo o quadragésimo sexto este meu livrinho de crônicas leves. Sabendo-se que a França é um dos países que mais leem no mundo, onde 88% da população que se declara leitora lê em média 21 livros por ano, e que no Brasil ,apenas 52% dos brasileiros confessam que gostam de ler, mas não passam de cinco livros lidos por ano, a professora pode ser considerada uma atípica usuária de literatura.
Como vive uma criatura que lê em média quatro livros mensalmente? Quando estamos dormindo, essa pessoa permanece desperta, vagando no mundo da literatura? Enquanto penamos para ler “O camaleão”, do dramaturgo russo Anton Pavlovitch Tchecov, com apenas 22 páginas, esse ser multiculturalista devora em seis dias o calhamaço “Os miseráveis”, de Victor Hugo, com 1.512 páginas. Como são eles, os leitores vorazes, de que são feitas suas mentes adaptadas para trocar a tela do computador pelo papel, esnobando os modernos livros digitais? Esses leitores analógicos seriam viciados no cheiro da tinta de impressão? É sabido que, com o passar do tempo, a celulose do papel desprende um cheiro típico edulcorado, essência que acaba por seduzir os neurônios do paciente. Pronto, a pessoa se torna dependente dos livros, e acaba por ler qualquer coisa para satisfazer o anseio. Talvez essa teoria explique a última exploração literária do ano desta professora, ela que emprega suas melhores energias mentais para ler com velocidade, sem atrapalhar a compreensão e a concentração.
Confesso que subsisto no rebanho comum dos que leem apenas um livro mensalmente, ou menos. Tenho me dedicado mais a levar outras pessoas a descobrir o sabor da leitura, com nosso projeto “Biblioteca viva”, nas cidades de Bananeiras, Solânea, João Pessoa e Mari. Pontos de troca de livros sem burocracia. E essa missão me empolga, ao mesmo tempo em que me consterna, porque tenho a impressão de que o analfabetismo, inclusive funcional, o quase nenhum estímulo em casa ou na escola e a carência de projetos como este da Sociedade Cultural Poeta Zé da Luz, do terceiro setor, levam cada vez mais as pessoas para longe dos livros. Sou frequentador de uma biblioteca pública em Solânea, onde faço doações mensais de livros, e durante minhas longas permanências entre aquelas estantes, ainda não tive o prazer de ver um usuário, um único que seja, um consumidor de livros. A internet e as redes sociais são as causas principais dessa queda no número de leitores? É uma teoria. No Brasil, acreditem que 44% das pessoas não leem e 30% jamais comprou um livro na vida. E as pesquisas continuam registrando o declínio ano a ano. Teria sido esse fenômeno que nos levou ao desastre político, econômico e moral dos últimos quatro anos? Outra teoria.
Enquanto a gente dorme na ignorância, a professora que não quer mudar o mundo, mas a si mesma, continua trabalhando sua emoção, abrindo sua mente nas peregrinações pelo universo da sabedoria e do raciocínio, porque ela sabe que ler traz muito prazer e ganho ao coração, à pisque e até à alma dos que têm fé. Que em 2023 ela siga seu destino de exploradora das mil consciências dos autores, descendo, às vezes, até por curiosidade intelectual, os degraus de obras menores como este “Meu livro é um fracasso de vendas e outras crônicas”, merecedor da amável nota da Fundação Espaço Cultural, patrocinadora da edição: “O livro de Fábio Mozart retrata, através de 67 crônicas, distribuídas em 196 páginas, histórias cotidianas que envolvem o leitor pelo humor e criticidade do seu narrador. Explorando horizontes que aproximam eventos como a observação de uma árvore de imbaúba, que nasceu no muro do seu quintal, e os desdobramentos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, o autor faz um relato sincero e, ao mesmo tempo, poético de suas vivências”.