Bons tempos, bons desejos


          De tanto desejarem Feliz Ano Novo, percebemos que já estamos a viver bons momentos, há isso solto no ar... Quando morei em Paris, Padre Juarez Benício me encomendava que lhe enviasse, sem sardinhas, numa hermética lata de sardinha, ares de Paris. E havia tal negócio, adrede confeccionado, por poucos francos, a preço de souvenirs. Então ficava à espera de um portador que tomasse o avião da Varig, porque os serviços postais não eram confiáveis, ainda abriam nossas cartas para espiarem nossos assuntos; imaginem tendo em mãos uma porção de ares democráticos e republicanos.
          Bons momentos estes, quando recomeçamos a respirar ares democráticos e republicanos. Acontece uma sensação de bem-estar e de alívio; tanto aqui e por onde se andar por aí. De onde vêm esses saudáveis ventos, como aquele do Aracati passando pelas calçadas vespertinas sertanejas, logo neste auspicioso Dia dos Reis Magos, como dizia a Professora Terezinha Diniz, como sagrada extensão do Natal? Não só dos intensos desejos de felicidade, mas o bom e o bem surgem da imensa vontade do povo, que sofreu ameaças e trágico sufoco para respirar pura e saudável brisa. A brisa é aquela que corre entre árvores, ruas e casas, livremente, afagando os que a amam. Nesse sentido, ela, na mitologia grega, faz carinhos, amor, provoca ciúme e induz a atitudes passionais, mas sem ela própria praticar algum mal, circunstancia apenas os humanos assim procederem, conforme suas condutas.   
          De repente, aninham-se, no nosso meio, a cobra e o piolho de cobra, é assim a natureza, obrigando-nos cortar caminho, evitando as emboscadas naturais desses instintos. No entanto, agora, percebemos discernir a incerteza da certeza, ou mais precisamente, o certo, do incerto. Esse ou aquele deixemos de lado, pois julgo que qualquer classificação se torna, relativamente, arbitrária. Todavia, é possível conceber que, logicamente, tudo pertence, inevitavelmente, a um mesmo conjunto, cheio de subconjuntos. Contudo, é possível conter o que se considerar maligno, como se combatêssemos subconjuntos de células cancerígenas, antes que elas ataquem os subconjuntos vizinhos e inundem todo o conjunto. Lutemos, todavia, para curá-los.
          Ao se falar de “bons ventos”, aqui e acolá, quando, eles de águas aquecidas enfrentam águas mais frias, da qualidade de bons, tornam-se redemoinho, capaz de virar barcos, se na água; derrubar árvores e casas, se na terra. Em velozes movimentos circulares, os bons ares devêm atormentadores. Segundo a linguagem popular, o redemoinho é uma briga de ventos. Um parte para cima do outro; enrolam-se, na água ou no chão, e terminam quando os dois vencem, como se baralhassem as cartas num só baralho.
          Mas, aqui e no país, pode acontecer tempo de bonança, como prenúncio de um bom vindouro futuro às jovens gerações, não importam cor, religião ou ideologia, mesmo que haja vontades contrárias. Enfim, em qualquer partida, existem os torcedores do contra. Contudo os fatos poderão mais convencer do que as diatribes da discórdia. O poeta Manuel Bandeira nos reconforta em versos de esperança: “Urge incutir no espírito de cada um dos nossos conterrâneos a noção de que somos todos responsáveis condôminos dos bens de valor histórico e artístico existentes no País”. O que se completaria com a responsabilidade que, cristã e constitucionalmente, devemos ter perante o nosso povo. Novos tempos virão, menos duros e de bens não tanto escassos.