A Conquista do Mundo e o descobrimento do meu mundo
A Conquista do Mundo e o descobrimento do meu mundo
O ano de 1981 foi histórico para o Flamengo. Inesquecível para quem viu aquele time fantástico em campo, ou como eu, que só ouvira as histórias e, com muita sorte, conseguia uma gravação em VHS dos jogos. Nascido no ano da glória máxima, só fui mesmo acompanhar o Flamengo em meados de 1990, mas tenho lembranças de alguns jogos que tive a felicidade de ver na televisão de tubo da sala. Eram poucas as partidas televisionadas naquela época, pay-per-view era um futuro desconhecido e impensável, por isso, lá em casa, o radinho imperava!
Em 1981, não vi o Flamengo de Zico sapecar ainda no primeiro tempo três gols no todo poderoso Liverpool. Não vi os gols de Nunes tampouco o de Adílio. Não vi Zico erguer a taça, até hoje tão cobiçada, ou receber as chaves do seu Toyota Celica; afinal eu tinha meses de existência, apesar de gritar gols de Zico, como se o Galinho estivesse em meu berço com a bola no pé, pronto para fazer o Maracanã estremecer. O mundo conhecia o Flamengo naquele dezembro de vitórias; eu, meu amor inconteste.
Às duas horas da madrugada, ninguém dormia. Eram gritos de alegria eufórica, de felicidade arrebatadora, de êxtase rubro-negro. Em casa não fora diferente, meu pai vibrava, comemorava, mas com comedimento, pois recebera de minha mãe o ultimato de que se me acordasse, o tempo fecharia naquela sala. Acabado o jogo, taça entregue, alegria e felicidade sem tamanho, meu pai quase não dormira naquela noite, pensando nos gols, na glória, no que é ser Flamengo.
As histórias, de tantas vezes contadas, tomam forma. Mesmo que não lembremos de fato do que acontecera, a mente recria as imagens como se realmente estivéssemos presentes e atuantes naquela cena desenhada a pincéis grossos e rudes. Comigo não foi diferente, porque, apesar de ter apenas 10 meses de vida, tenho vivas na memória lembranças daquele distante 13 de dezembro. Se antes eu já tinha com grande valor as lembranças com meu pai, depois do seu falecimento, cada minuto, cada segundo com ele passaram a valer muito mais. De tanto meu pai repetir orgulhoso a história de que me levara para comprar pão naquela manhã vitoriosa, criou em mim o filme que se tornou verdade em minha mente inventiva: os dois, pai e filho, de vermelho e preto, descendo a rua. Ele caminhava sorridente, enquanto eu ria e chamava atenção por onde passávamos, agarrado ao seu pescoço, compartilhando de uma felicidade até então jamais sentida e repetindo o mantra: Gol, Zico!
Quando vejo as poucas fotos daquele dezembro de 1981, uma emoção me cobre, de arrepiar os pelos e provocar longos suspiros. O bebê vestido com a camisa vermelha-e-preta sabia ali que nascera para gritar “Vamos, Flamengo” até o fim da sua vida.