A idiotice das redes sociais
Quando mencionamos o ambiente da internet nos primórdios dos anos 2000, a comunicação instantânea entre as pessoas dependia basicamente de um aplicativo chamado "Messenger", da Microsoft. No meio da troca de mensagens, alguém exigia atenção do interlocutor e zaz... apertava um botão para vibrar a tela da pessoa que ignorava as mensagens. Era como se fosse um divertido pedido de socorro gritado por um náufrago virtual! Passaram a usar emoctions para traduzir emoções simples, como alegria, tristeza ou demonstrar-se apaixonado. O nascedouro da Internet era quase lúdico.
Existiam outros programas de relacionamento, como o ICQ, por exemplo. A Internet discada testava os limites da paciência. Os provedores até instalavam a cabo, mas a velocidade de transmissão de dados não valia muita coisa. Como era um ambiente novo, mesmo os desafios instigavam uma nova classe média que aprendera a navegar pelos ambientes virtuais. Depois veio a grande rede social do início dos anos 2000, o Orkut. Ao contrário do que se imagina, o Orkut era uma rede social altamente confiável para quem procurava conhecimento. Qualquer tipo de debate poderia ser encontrado em suas comunidades: Segunda Guerra Mundial, Liberalismo, filosofia do espanhol José Ortega y Gasset, astronomia. Sempre havia quem não esmorecesse diante das discussões, fazendo com que as comunidades apresentassem um ótimo nível cultural. Havia, claro, o alívio cômico assinalado por comunidades como "Odeio Segunda-feira", "Passando um Trotsky" ou "Olavo de Carvalho nos Odeia". O atual comentarista da Jovem Pan, Rodrigo Constantino, começou a formar público durante os debates nos fóruns do velho Orkut. Eram tempos simples, marcados por uma sinceridade verdadeira no ensinar e aprender.
Com o passar dos anos, o cenário mudou. Por volta de 2010 e 2011, o Orkut cedeu espaço para uma nova rede social criada por Mark Zuckerberg (pelo menos foi ele quem ganhou os louros), o Facebook. Mais ágil, o Facebook ganhou repercussão muito maior. Agora, pessoas importantes do debate público tinham perfil verificado na rede social. Se outrora o Orkut demonstrava que os debates poderiam ser produtivos em direção ao conhecimento, no Facebook o que contava era fazer parte de uma torcida. Aprender falando a verdade era um ideal grego que começara a ser enterrado pelos novos tempos. No Twitter, diante das promessas de informação instantânea, os indivíduos deixaram de ter existência pessoal. Somente a voz coletiva, embalada pela narrativa mentirosa, ganhava curtidas, retuitadas e repercussão. Gente equilibrada passava despercebida no feed dos idiotas. Quem berrasse mais alto ganhava.
Aos poucos, a influência de um argumento deixava de ser o conhecimento pessoal e se tornava o coro uníssono de um determinado grupo. Os idiotas entraram nas suas bolhas e a imaginaram como se fossem os olhos de Deus. O pior, contudo, ainda estava por vir.
Muita gente perdeu tempo com desavenças falsas diante de desconhecidos. Blocks, unfollows e xingamentos eram despejados caudalosamente em discussões que não levam ninguém a lugar algum. Os tempos de aprendizado nas redes sociais haviam sido deixados em algum lugar do passado. Esvaneceram-se nas brumas do tempo. Durante todo esse contexto, o tempo em tela aumentou para cada indivíduo. Os smartphones ficaram mais baratos (menos caros, na verdade), de modo que as redes se tornaram parte do cotidiano de qualquer indivíduo de classe média baixa. Quatro, cinco ou até mesmo oito horas diárias na frente da telinha do celular passaram a influenciar hábitos, comportamento, consumo e a forma de se relacionar em sociedade. Estávamos nos tornando um mundo de idiotas.
Sem nos darmos conta, a Internet moldou a experiência de mundo. Depois da conturbada eleição de Donald Trump como presidente dos EUA, em 2016, um novo ponto de virada se estabeleceu: a realidade só poderia ser identificada se acompanhada da voz insandecida de uma coletividade. Agora sim, firmava-se o padrão obrigatório de conduta! Se a maioria não validasse uma informação nas redes, então não poderia ser verdade. Um bobo das ruas poderia estar com os pés imersos em um braseiro, mas isso só se tornaria "real" se algumas milhares de pessoas assim o atestassem. O bom senso foi substituído pela gritaria. A experiência individual cedeu lugar à direção da narrativa coletiva. O totalitarismo das redes sociais, com suas opiniões inflexíveis, recriou o mundo através das noções de bem e mal tirados dos desenhos da Disney. A cabeça das pessoas se infantilizou. Nesse mundo só poderia existir lugar para a nossa moral e a deles. Os políticos, claro, nadaram de braçada nos ambientes virtuais e recriaram uma nova demagogia. Os idiotas eram agora os donos da bola.
Se as redes sociais tivessem se tornado apenas uma rinha de cães, poderíamos dizer que estava de bom tamanho. No entanto, conquanto a inteligência seja limitada, a burrice sempre avançou sem se preocupar com os obstáculos.
Quando o Instagram começou a se popularizar há cerca de três anos, novas modalidades de uso da imagem surgiram nas redes. Em primeiro lugar, as profissões começaram a ser exploradas como vitrines de trabalho. Enfermeiros, esteticistas, médicos, arquitetos, professores e tantos outros passaram a explorar as redes sociais como potenciais fontes de exposição de competências. Nesse sentido, o uso das redes alcançou um patamar bem positivo. Era possível descobrir professores de latim ou arquitetos de interior. Novas ideias para construção do quarto do bebê ou até mesmo aqueles exercícios físicos que melhoram a saúde daqueles que dispõem de pouco tempo para academias lotadas à noite. Até aí, tudo bem! O problema é que a apresentação das profissões passou a ser sexualizada por moças que sabiam como atrair o olhar alheio. Entre uma dica e outra de nutrição, era possível divisar corpos femininos perfeitos em biquinis sumaríssimos, seios ondulantes como montanhas e pernas bem torneadas como colunas jônicas de um passado áureo.
A sexualização das redes sociais extrapolou para atrair toda a atenção, imbecilizando-nos num mundo de fantasia que só existe na telinha do celular. Se a perfeição estética fosse conseguida à guisa de edição no photoshop ou filtro, pouco importa! O que realmente conta é a capacidade de nos enganar atrás da concupiscência das vistas.
Muitas mulheres souberam como tirar proveito do engano das redes para potencializar suas chances de relacionamento. Antigamente, as possibilidades relacionais estavam reduzidas aos círculos sociais das amizades, do trabalho e da faculdade. Diante das maravilhas da mentira chamada Instagram, a situação mudou rapidamente de figura. Uma moça de vinte anos, por exemplo, começava a se apresentar na plataforma como se fosse carne num açougue: corpos esculturais em trajes de banho, calças apertadas e movimentos afrodisíacos. Tudo isso, claro, era dito como parte de um movimento de "emancipação feminina" que nunca fez qualquer sentido aos olhares gulosos. Aos poucos, ela passava a ser cortejada por um sem-número de indivíduos que lhe lançavam elogios enganosos em busca de, quem sabe, sexo fácil.
Mensagens privadas poderiam ser trocadas sem que os olhos curiosos do público soubessem. Diante do advento das redes, uma mulher pode escolher homens que não estejam diretamente relacionados ao seu convívio imediato. Ela mora em Juiz de Fora? Pode render-se aos elogios de um matogrossense; reside em Santa Catarina? Um pernambucano pode encarar uma viagem de avião para saber do que se trata. As redes sociais não apresentavam mais qualquer embaraço ao encontro, embora na maior parte das vezes essas possibilidades relacionais sejam tão efêmeras quanto o voo das bolhas de sabão em um dia quente de verão.
Para onde seguirá o mundo de enganos das redes sociais nestas primeiras décadas do século XXI? Tolices variadas, endorfinas disparadas em vídeos coloridos, projeção de sexualidade aflorada em trajes sumários, discussões políticas sem fundamento para ânimo de torcidas identitárias? Ou tudo isso junto e misturado.
Quando se trata da modernidade sob a Internet, o cardápio de bizarrices parece não ter fim.