Último dia de 2022. Dois velhos amigos reencontram-se para jogar conversa fora:

 

- Não foi anteontem que fizemos um bingo para ver quem partia primeiro?

- Foi. Você ganhou. Apostou no pai do século. O Dia dos Pais será chamado Dia do Pai Pelé.

- E hoje, o velho Ratzinger. Quantos crimes será que ajudou a encobertar, hein?

- Sorte dos dois que não existe Satan! Mas fizeram coisas boas também; os dois. Têm méritos.

- Concordo. Os dois são gigantes em tudo; nos feitos e nos desfeitos!

- Você está azedo hoje. Por quê? Acabou o estoque de Gin?

- Gin tenho à vontade. Estou atravessado com essas mensagens de fim de ano que recebo.

- Aqueles vídeos que são mandados para todos os contatos, só para dizer que mandou?

- Exatamente. Produção em massa. E é tudo mero reenvio; ninguém procura um vídeo especial.

- Não mesmo. Eu abro, mando aquelas duas mãozinhas em prece, e deleto. Pago igual!

- Mas, pense bem, na época dos cartões, na nossa época, a gente escrevia uma mensagem.

- Mas copiava tudo igual em cada cartão. E quando a gente copiava até o nome?

- E descobria que não tinha mais cartão sobrando? Riscava o nome errado e escrevia o certo.

- Então, é uma grande hipocrisia isso de mandar cartões e mensagens. É tudo protocolar.

- Assim como cumprimentar com “bom dia!”. Mera repetição de convenção; automatismo.

- Então, só o “vá tomar naquele lugar”, bem sonoro, tem destino certo, não?

- Sim! Essas expressões são sempre bem direcionadas. Por exemplo: seu idiota, seu boçal!

- Claro! São expressões certeiras; atingem o alvo. As mensagens são genéricas, para todos.

- Mas, por que as pessoas não escrevem mais uma mensagem personalizada?

- Porque dá trabalho. As pessoas sabem reenviar, mas não sabem escrever.

- Hoje eu li “faça esse pudim tenha na geladeira fácil de preparar três ingredientes”. Pontuação?

- Aqui em SP, os mais de 20 anos de PSDB contribuíram com o slogan “pátria educadora”.

- O que se aprende na escola? Só oração coordenada sindética aditiva? Equação do 1° grau?

- Ensinam, mas poucos aprendem. E faz-se o que com isso? Onde emprega essas coisas?

- Quem souber responder a utilidade disso na vida prática vai para a academia de letras.

- Podiam ensinar a reciclar lixo, a atravessar a rua na faixa, a recolher o cocô do cachorro...

- Atravessar na faixa precisa ser ensinado para os velhos; atravessam em qualquer lugar.

- Têm predileção por atravessar na diagonal, para alongar o perigo e a exposição a acidentes.

- E as velhas que vão à feira com carrinho e passam por cima do pé da gente?

- Mas nós somos velhos também, esqueceu-se disso?

- Somos idosos lúcidos e ativos. Não ficamos em casa esperando dar a hora do almoço.

- Parece que quanto mais se deseja Feliz Ano Novo, pior o ano fica. Você já reparou nisso?

- É por que ninguém deseja de verdade. É só hábito; repetição de papagaio. Vem sem energia.

- Certos estavam os antigos egípcios que adoravam o deus Sol. Viam a luz e sentiam o calor.

- Fato! Depois passaram a adorar um deus invisível que precisa ser lembrado de suas funções.

- Verdade. Triste, não? Deus, abençoe minha família! Deus, acabe com as guerras!

- Sim. Precisaram colocar mãos em Deus, para “deixar tudo nas mãos de Deus”. Terceirização!

- E quando não se tem coragem para tomar uma decisão, diz-se “seja feita a vontade de Deus!”.

- Prático, não? Quem fez quem à sua imagem e semelhança? As igrejas?

- As igrejas ganharam muito dinheiro, muito dinheiro com essa exploração, não?

- Nós deveríamos ter aberto uma igreja. Falando em igreja, Feliz Ano Novo para você!

- Mas é do coração ou é protocolar?

- Protocolar. A gente dá um jeito de fazer o nosso ano ser bom, não é mesmo?

 

René Henrique Götz Licht
Enviado por René Henrique Götz Licht em 31/12/2022
Código do texto: T7683893
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