“ENTÃO É NATAL”... AGRADEÇAMOS AO BOM VELHINHO

“Que fará um trabalhador braçal durante 15 dias de ócio? Ele não tem o culto do lar (...). Para o nosso proletariado, para o geral de nosso povo, o lar é um acampamento – sem conforto e sem doçura”.

Trecho do Memorial das Associações Paulistanas (“avó” da FIESP) enviado ao Presidente Washington Luiz, em 1926, requerendo a REVOGAÇÃO da Lei 4.982, sancionada um ano antes, e que concedia aos trabalhadores brasileiros o “luxo” e a “ostentação” de 15 dias de férias anuais – “um abuso” e um “ataque a quem produz” que os generosos patrões não podiam, jamais, admitir.

Claudio Chaves

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UMA das trágicas ironias da tradição do Natal – especialmente no Brasil da contemporaneidade – é que o “Velhinho” (Papai Noel) que representa um dos símbolos máximos da exploração dos empobrecidos (o consumismo) é venerado exatamente por essa porção tremendamente explorada da sociedade, enquanto os que lutam para libertá-la dessa mundiação (do consumo fútil e artificial) são, na maioria das vezes, simplesmente demonizados.

NESSE período do ano é comum milhões e milhões de trabalhadores – depois de já terem planejado ao longo de meses – aproveitarem direitos trabalhistas como férias/recesso e gratificação natalina (13º salário) para promoverem momentos de lazer (comemorações em família, viagens, presentes...) e aconchego a sua prole.

MAS nem sempre foi assim. A epígrafe da crônica de hoje parece coisa da era colonial ou do início da Primeira Revolução Industrial, mas é bem mais recente, remonta à 4ª década de nossa República.

SIM, naquela época, o trabalhador brasileiro, recém-saído da condição de escravizado, não tinha direitos hoje considerados básicos como: férias, jornada mínima de trabalho e salário mínimo.

Que fará um trabalhador braçal durante 15 dias de ócio? Ele não tem o culto do lar, como ocorre nos países de padrão de vida elevado. Para o nosso proletariado, para o geral de nosso povo, o lar é um acampamento – sem conforto e sem doçura. O lar não pode prendê-lo e ele procurará matar as suas LONGAS horas de inação nas ruas. A rua provoca com frequência o desabrochar de vícios latentes e não vamos insistir nos perigos que ela representa para o trabalhador inativo, inculto, presa fácil dos instintos subalternos que sempre dormem na alma humana, mas que o trabalho jamais desperta (VIANNA, 1976, p. 80, apud TORRINHA, 2022)* .

PODERÍAMOS, aqui, produzir uma interminável lista de horrores aos quais trabalhadores e trabalhadoras, inclusive crianças (até recém-nascidas) eram submetidos pelos patrões desde o alvorecer da Primeira Revolução Industrial. Isso, no entanto, poderia tornar a leitura enfadonha e até desviar um pouco o propósito da reflexão.

OUVIR, em 2019-22, de autoridades como ministros de Estado que “servidores públicos são parasitas”, “empregadas domésticas não têm direito à viagem de lazer” e “universidade é pra poucos”, “não pra filho de porteiro”, além do explícito, discriminatório e criminoso assédio moral e eleitoral de patrões sobre seus empregados como forma de humilhá-los e obrigá-los a votarem para a continuação de supressão dos próprios direitos e manutenção dos status quo do patrão, são exemplos suficientes para constatarmos como pensa a elite econômica, oligarca, escravocrata e mesquinha brasileira: como sempre pensou e agiu, desde os espúrios tempos de escravidão.

SE NESTE Natal do ano 2022 da Graça do Nosso Senhor Jesus Cristo, você trabalhador e trabalhadora brasileira podem (não a maioria, infelizmente) contar com “privilégios” como jornada de 8 horas diárias de trabalho, salário mínimo, férias, 13ª salário, registro em carteira, hora-extra, indenizações, aposentadoria... e qualquer que seja o direito trabalhista, AGRADEÇAMOS AO BOM VELHINHO DE BARBA E CABELOS BRANCOS QUE TEM PREFERÊNCIA PELO VERMELHO. Não Aquele da Coca-cola, que supostamente mora no Polo Norte ou na Finlândia. Mas aquele que nascera na Alemanha, em 1818 e, como forma de libertar o proletariado da alienação que os mantém escravizados mesmo sem correntes literais, um dia bradou: “Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!”

SIM, a história do trabalho assalariado no Planeta Terra se divide em duas partes: antes e depois de Karl Marx. E se você é, como eu, um(a) trabalhador(a) que goza dos mínimos direitos que são devidos a nós, não é ao Velho Noel, é ao Jovem Marx que devemos agradecer; ou você acredita mesmo que, no País em que, em 2020, trabalhadores são chamados de parasitas e ministro de Estado defende que universidade deve ser pra poucos, você teria direito a “ociosidade” para folgar no Natal graças à generosidade de patrões escravocratas que acreditam que 15 dias de férias por ano de trabalho representariam um risco concreto de degeneração moral do trabalhador?

ALIÁS, sejamos mais práticos: apresente-me (ou a si próprio) um, pelo menos um, direito trabalhista que, ao longo dos séculos de existência do capitalismo, tenha sido “concedido” espontaneamente por patrões generosos, sem a intensa luta dos próprios trabalhadores, sempre inspirados e motivados pelas ideias daquele outro Barbudo.

FELIZ NATAL!