DESMEDAMENTE FELIZ
Falar dos medos que me empacam, trucidam, esmigalham. Alguns vêm em bandos, em turbilhões, no atacado. Outros amotinam minhas certezas, deixando nenhuma ilesa, desacuada. Falar dos medos que esmigalham a minha vida, que confundem o chão, descarrilham as nuances do que sou, ou suponho ser. Dos que deixam Deus perplexo, deixam Deus desatinado, desconsolado, triste como nunca se quis. Falar dos meus medos sem bula, sem feitor, sem cabresto. Medos farsantes, blefadores, tresloucados, malditos. Ficam à espreita de um vacilo pra brilhar, sem dar um pio que seja. Medos que parecem placebos, se fazem de mortos, se prostram amistosos, acolhedores até. Então saem da casca com sangue nos olhos, vêm à tona imbuídos de fúria demoníaca, arregaçam seu estopim, iluminam sua carcaça fétida, e destroncam os ventos, a água, o querer-bem. Dai me levam ao caos sem trégua, sem desculpa, desgraçam meu sangue, meu ninho, minha paixão. Enfurecem os quatro cantos do meu sossegar, desesperam talos, falanges, porões. Fazem o ar mendigar, rastejar, despencar de si mesmo. Então solto um grito puído, cariado, fedido. Daí aquele medo gigante se revela áspero, capenga. Daí aquele furacão se destroça no próprio reinado, no próprio engodo, na própria diabrura original. Então volto a sorrir, desmedado e soberbamente feliz. Desmedamente feliz.