Jerson Darif

(Jerson José Darif Palhano, 19/06/1970 – 05/09/2017)

Hoje faz dois anos que você perpetrou o que vinha anunciando. Se a vida é um grande mistério, a morte é um mistério muito mais insondável. Não consigo entender e acho que nem quero entender o que se passou com você, assim como não o recrimino por ter feito e executado essa escolha. Você me foi e continua sendo muito maior do que tudo isso.

Lembro-me de quando o conheci e do que me veio em meu coração: um homem que demonstra otimismo, mas que esconde um coração desencantado. O brilho fosco do seu olhar já denunciava o seu desencantamento com as coisas deste mundo.

O que mais me marcou em nossa convivência muito estreita foi quando, ao final de uma celebração de ordenação presbiteral, você veio a mim e me entregou sua estola vermelha. Eu, surpreso e desajeitado diante do inesperado, desconversei e disse que já tinha uma e você respondeu, meio maroto, que a sua era mais bonita. E era mesmo; toda trabalhada com fino bordado enquanto a minha era o modelo mais simples. Para eu não ficar mais desconcertado você optou por sugerir uma troca: eu ganho a sua e dou a minha para você. Eu aceitei e você me abraçou longamente e me aceitou.

Essa foi a mais bela declaração de amor de que me lembro ter recebido na vida. Esse gesto era você. Esse desapego e esse carinho eram você. Esse fazer pelos outros o que não conseguia fazer por si mesmo era você. Você me achou digno, mais digno do que a si mesmo e me ofereceu a estola mais digna. Esse gesto nos aproximou de modo indelével e disse tudo o que o silêncio é capaz de experimentar.

Depois disso, em mensagens de áudio, ouvi sua voz de baixo-barítono me dizer repetidamente que me amava. E amava mesmo, como Davi amava Jônatas. Neste tempo, seu desencantamento já havia afetado suas relações com a família, a Igreja, a nossa igreja, a política e a Educação; só não afetara seus estudantes – que você ainda amava muito.

Há dois anos, você ministrou aulas normalmente de manhã. Depois, enviou-me uma mensagem revelando que, à noite, seria uma estrela a olhar por mim lá do céu. Soube que seus mais próximos do coração receberam essa mensagem também. Li a mensagem, entendi o que você queria dizer, mas não dei muita importância. Você havia conseguido atravessar os momentos mais tenebrosos da sua vida e parecia se estar reerguendo. Quantas vezes você a mim se confessou? Mas você também era muito intenso em tudo o que fazia e sua alma de filósofo e de poeta era dada a esses arroubos.

À noitinha, veio a confirmação. Você foi até o fim para buscar alívio ao seu sofrimento interior. A confirmação não me veio como uma novidade, mas fiquei perplexo e devastado por dentro. Eu tinha aulas naquela noite e o contato com meus alunos serviu como uma pequena dose de anestésico. Seus jovens alunos que amavam você muito, esses ficaram sem rumo. Alguém que inspirava a vida tira a sua própria de modo planejado e seguro. Esse também era você.

Você foi uma grande luz que iluminou muitos caminhos. Obrigado por ter sido como você foi!

René Henrique Götz Licht
Enviado por René Henrique Götz Licht em 29/12/2022
Código do texto: T7682004
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