Por favor, parta

Passamos meses jurando apaixonados.

Te amo no café da manhã, no almoço e janta.

Tanto amor estava indigesto. Mas seguiamos jurando.

Uma casa em Caraguá, um bebê de nome Antônico e quem sabe um novo cão.

Tudo embrulhado em laços pomposos cor de rosa, mas inegavelmente frágeis.

A ceia de natal ainda brigava com o estomago para ser encaminhada da melhor forma corpo a fora. Abri uma cerveja deitado no sofá como sempre. Repousei sua cabeça em meu colo para acariciar o cabelo recém cortado e sentir as cócegas que os fios fazem na ponta dos dedos, sabe que adoro.

Sem abrir os olhos, me disse:

-Quero que parta.

-Não posso partir, juramos ficar juntos.

-Pois desjure. Parta. Te amar tão perto me fez amar-me menos.

-Te amo por dois então.

Sorri com a resposta inteligente.

-Não estou brincando, parta, por favor.

Levantou-se do meu colo, me olhou nos olhos e novamente mostrou a porta com o olhar.

- Preciso que vá.

Sem entender, mas me sentindo contrariado, avisei como se a decisão ainda não tivesse definida.

- Não quero ir. Não sei voltar quando parto. Jurar é coisa séria, e te quero tão bem.

-Cara, por favor. Por que sempre tem que ser assim contigo?

- Eu não consigo funcionar de outro jeito. Por isso me deixará?

- Por favor, pegue suas coisas e parta.

Me aprumei no sofá, apanhei meus chinelos com marca de dedo, peguei uma mochila com as roupas limpas. Voltei ao seu lado e pedi: Três vezes. Peça três vezes que partirei.

Respirou fundo, me olhou nos olhos e disse:

-Por favor, parta.

Peguei em sua mão e disse, como se houvesse em mim alguma autoridade, mas só para que meu consciente e subcosciente entendesse que chegou a hora. É assim que funciono e por isso ele sofre.

-Te livro do nosso desejo carnal. Te livro da nossa tara e te livro do suspiro que sente quando me abraça.

Ele seguiu

-Por favor, pare com isso. Parta.

- Te livro das promessas feitas, do carinho antes de dormir e da preocupação com minha pessoa.

- Eu sempre me preocuparei contigo.

- Mas mesmo assim, me prefere longe.

Pela ultima vez, ele olhou nos meus olhos e repetiu: Parta.

Toquei seu rosto, ja sentindo a despedida, um beijo na testa e o ultimo livramente proferido, para que minha alma conseguisse achar alguma lógica na insuficiencia do amor.

- Te livro do meu amor, te livro do meu ódio. Me livro do seu amor e espero nunca despertar seu ódio. Sempre sentirei um vazio no lugar onde você repousou diariamente, mas espero que não nos vejamos novamente.

De sobressalto sai porta afora. O cão pulou na minha perna, mas desta vez não recebeu afago algum.

Abri o portão, subi na minha motocicleta. Após colocar o capacete senti as lagrimas escorrendo no meu rosto e a viseira embaçando com a respiração acelerada. Não teve "até amanhã", não teve "tome cuidado", não teve "te amo".

Nunca mais retornei para aquela casa.

Mas admito que me tiraria um sorriso vê-lo passar no outro lado da calçada.