Viver intensamente
Viver intensamente
(Solineide Maria Rodrigues)
O que é viver intensamente? A pergunta apareceu na conversa, bordada pela satisfação de ver uma família reunida. Copos, taças, toalha, tudo delicadamente escolhido. A sangria tão boa, o pudim com alma elganiana… Ave leve e vento quente (ares de África).
O quintal em festa, crianças brincando e embirrando, vez ou outra. Maravilhosos seres cristais, ainda infantes, na distração de aprender brincando que a vida é séria, e que A Nova Era pede muito, destes…
O patrono a saborear do momento presente, mas dava para ver a lembrança a recordar desde o primeiro momento. Aquele momento no qual se encontrou com a matriarca. Os primeiros passos de um relacionamento que continua na prole, que, quis o destino, fosse feminina. Duas meninas. Uma com a descendência já em continuado crescimento: um casal de crianças cristais. A outra, recém-casada. A história segue. Abençoada.
O patrono pergunta se alguém mais quer refrigerante, mas indica que também tem outras opções. Está com o espírito leve: dever cumprido.
A matrona alegre, uma talentosa mãe. Um dia ela me disse, que “teve sorte”, porque em verdade, muitas pessoas fazem tudo igualzinho, mas não resulta igual. Pode ser. É uma pessoa muito bonita, ela (a matrona). Talentosa em tudo o que escolheu fazer. Também é muito espiritualizada. Igualmente caridosa, muito sincera. Certamente essas virtudes foram tempero na administração de sua história de vida até então. Trabalho realizado com sucesso; essa era a mensagem no seu olhar. Também se via muita gratidão.
A música, o sorriso, a conversa. Minha saudade. Mas saudade de um tempo, de uma época específica. Lá, onde minha criança sentia intensamente a presença da minha mãe e do meu pai. Lá também vi minha filha. Ontem ela me disse que acha minha paciência uma coisa bonita. Sorri. Ela também. Um dia desses pediu desculpas por “não ter percebido algumas coisas, antes de ser intensa”.
Ontem, o professor pediu um texto de 14 linhas, sobre o que eu pensava que era viver intensamente. Inicialmente achei interessante, depois achei intrigante. Porque fato é, que o termo “intenso” apareceu algumas vezes durante esses dias, seguido da pergunta indiferente, feita durante o pudim e o cafezinho, pós almoço natalino, acerca do que se trata mesmo “viver intensamente”.
Viver intensamente é estar presente no almoço. É sentir reverberar a voz das crianças a brincar, é perceber o cheiro do açúcar queimado no pudim. Viver intensamente é ir até a infância e agarrar a barra da calça de seu pai, que já não está cá, no mundo físico. Viver intensamente é olhar os olhos da pessoa que ama e querer que continuem a brilhar. Viver intensamente é tomar o café e sentir afeto. Talvez, mais afeto do que cafeína, mais do que isso, sentir a mão da mãe a preparar o café no coador de flanela. Virando a colher, embrulhando o café numa espécie de moedor feito pelo ato de rolar coador, torcendo mesmo ali, em cima da colher. Depois, perguntando quem queria café, porque estava fresquinho. A expressão de afeto ao servir “primeiro, para seu pai” (o marido). Viver intensamente é observar com carinho que cada pessoa é o que é. Sem peso. Sem julgamento algum. Viver intensamente, talvez possa ser apenas viver com saúde tudo o que se vive. Mesmo quando o que se vive, não se prolonga depois do almoço natalino. A vida real, também pode ser tomada, com a gratidão que se toma um café. Coado seja como for. Porque ele nos leva para onde quisermos. E certamente restaura aquilo que nos afeta.
Solineide Maria Rodrigues
Luanda, 28 de Dezembro de 2022