Sobre um conterrâneo morto
Nas minhas andanças ocasionais por Itabaiana, satisfação em encontrar velhos amigos de minha geração para o inventário do saudosismo comum aos que já dobram o cabo da boa esperança. Há uns seis anos, esbarrei com Edilson Andrade, amigo do meu pai, os dois desportistas e políticos na terra de Abelardo Jurema. Cercado pelo respeito e lealdade dos amigos e o reconhecimento das novas gerações, assim devia estar o cara que fez história, aquele que, bem ou mal, contribuiu para sua comunidade. Geralmente, não é o que acontece. Essas coisas são assim mesmo. Quem passou, mesmo que tenha vestido as melhores roupas da cidadania, da arte e do esporte, acaba sempre no baú do esquecimento.
É dessa forma que vejo a figura do Edilson Andrade, de cujo falecimento tive o desgosto de me informar pelas redes sociais. Sete vezes vereador em sete legislaturas consecutivas, ex-prefeito, desportista e, de uma forma ou de outra, merecedor dos melhores encômios. Beirando os oitenta e tantos, deixou a política, vivia de recordar as paixões: o futebol e os embates partidários. Quando me encontrava, pedia para publicar na minha Toca seus feitos como político e desportista, junto com a grande injustiça que considerava a retirada de placa com seu nome na Câmara Municipal. “Fui Presidente da Câmara muitas vezes, ali fiz importantes reformas, respeitando aquele prédio histórico, e hoje alguém se acha no direito de esconder a placa com meu nome e as fotos dos ex-presidentes”, queixava-se Edilson.
O ex-vereador, ex-prefeito, ex-quase tudo na sua cidadezinha lembrava que foi garoto pobre, arte difícil de se executar, eu que o diga. Fui moleque sem eira nem beira na beira do rio, jogando bola nas areias quentes do Paraíba. Edilson recordava que costumava entrar pelo buraco da cerca de avelós do Estádio Severino Paulino para ver os jogos nas tardes de domingo da velha Itabaiana. Quando foi Presidente da Liga Itabaianense de Desportos, mandou construir muros no campo de futebol, mas permitia que a molecada entrasse de graça após os primeiros trinta minutos de jogo. “Eles faziam fila no portão, eu mandava entrar porque lembrava do meu tempo de guri quando não tinha dinheiro para o ingresso”, disse Edilson.
Com a mesma determinação, fez campeonatos memoráveis, foi treinador do Conceição Futebol Clube e ficou cinco anos sem perder uma única partida. Pouco importa as incoerências e os defeitos do velho político Edilson Andrade. O homem agora é História, jogou o jogo, cumpriu suas obrigações cívicas e as malandragens próprias da política tupiniquim. Retiram seu nome das placas de obras públicas e colocam homenagens a outras personagens com os mesmos perfis dos políticos tradicionais. O tempo voa e chega o dia em que a gente tem que prestar contas, se não aos injustiçados, mas à própria História.
Edilson Andrade prefaciou o livro do meu pai, Arnaud Costa, que fala justamente do futebol de Itabaiana. Ele e meu velho trocavam passes na grande área da memória, abrindo espaço para o registro do que foi, tentando, ao mesmo tempo, driblar o próprio tempo, veloz e assustador nessas alturas do campeonato. Havia entre os dois aquela conexão de sentimentos e recordações da pátria comum, porque a nação do homem é seu chão de origem. Edilson me contava suas aventuras, amava falar de sua Itabaiana, e nas histórias que narrava havia algo de belo e sombrio, de como o anjo do destino pegou aquele moleque pobre e transformou numa liderança política, com as transgressões éticas e o encanto das lutas manhosas da política provinciana.
Enfim, partiu Edilson Andrade, “descansou”, como se diz da criatura que termina suas aventuras terrestres em cima de uma cama, limitado por padecimentos e achaques. “Que seja recebido num vale bem abençoado, como é seu ‘vale do rio Paraíba’, suplicam numa prece agrestina os poucos amigos que ainda também não se mudaram em pó. Minha geração está se extinguindo. Que fique registrada minha lembrança das tardes de domingo e outros dias matutos, quando Edilson Andrade exercia o dom de comandar seu time e seus votantes amarrados com arreios da corda de controle chamada cabresto.