Das Minhas Lembranças 47
A literatura entrou em minha vida assim que aprendi a lê. Por não termos TV a leitura era uma forma de diversão. Nas ondas do rádio, ouvia Jerônimo, o Herói do Sertão. O que realmente me atraía era as músicas dos Beatles e da jovem guarda. Acreditava que os Beatles eram uma espécie de cover de Renato e Seus Blues Caps. Mas voltando a leitura, Gessi, minha irmã, que estudava no internato de freiras em Nova Era, nas férias trazia umas revistas de fotonovelas, Grande Hotel, Capricho, que eu devorava a ponto de me apaixonar por uma atriz. Já o meu irmão, Altair, que fugiu dos perrengues da roça e foi pousar seus sonhos em Belo Horizonte ao final da década de cinquenta, quando vinha passear em Boleirinha, onde tínhamos um pedaço de terra em que meu pai e minha mãe garantiam o nosso sustento com vacas e lavouras, trazia os livrinhos de bolso. Outro irmão, o Jair, que também escapou da labuta do campo, indo estudar num seminário em Araçuaí, trazia a tiracolo, livros de filosofia e alguns romances. Me lembro de ter lido Guerra e Paz, de Tolstoi, um calhau de cerca de oitocentas páginas, por volta dos treze anos.
Em 1964 aconteceu o golpe militar, que mudaria o rumo de nossas vidas. Me lembro vagamente de meu pai com o ouvido colado no rádio, comentando algo a respeito. Aos treze anos esse evento não despertava o meu interesse. Assim como o Lalá, Altair e Jair, eu também pensava em escapar dos perrengues da zona rural. Enquanto isso e quando podia, batia uma bola nos gramados do campo de futebol de Jampruca, ou no terreiro de Seu Carlos Carneiro. A bola era um pé de meia cheia de trapos, ou uma bexiga de boi. Foi mais ou menos nessa época que rabisquei meu primeiro poema, A Partida:
Partirei, sim, partirei
Em busca de meu ideal
Para onde vou não sei,
Sei que vou, é o substancial!
Saímos de Jampruca em 1966, para Engenheiro Caldas, por conta de encrenca política envolvendo meu pai, que fora candidato a Juiz de Paz, suplente, talvez, Me lembro de uma passagem do seu boletim de campanha em que dirigia a supostos adversários: "... cuspindo e escarrando dentro da Igreja como se estivessem em pleno campo". Isso e provavelmente outros, foram os motivos políticos que o obrigara a vender as terras de "porteira fechada" e sair imediatamente. Antes, porém, eu fui usado como álibi, para que a perseguição política se concretizasse. Aconteceu numa partida de futebol, do Atlético de Jampruca. O estádio era cercado por lascas de madeira e cobravam ingressos para ver o jogo. Encostei a charrete na beira da cerca. De pé sobre a charrete eu apreciava a partida, como outros faziam, inclusive, sentados sobre a cerca. De repente o Delegado Matias e o Cabo Adão, atendendo ao Bené, zagueiro e "dono" do time e do estádio, dirigiram até a mim e bateram no lombo do cavalo. Pulei da charrete. O Cabo Adão me deu um chute no traseiro. Caí. Do chão vi o interior do cano do revólver do Delegado, apontado para mim. Mijei nas calças. Meu pai surgiu não sei de onde, para tirar satisfação. Em alguns dias, tivemos de sair da cidade, rumo a Engenheiro Caldas, de onde parti para o internato, em Colatina, no estado do Espírito Santo. Lá eu me tornaria líder estudantil. Conto tudo no próximo episódio.