đ” Ver para crer
Malas, barracas e cinco pessoas. TĂnhamos o necessĂĄrio e principalmente um resquĂcio âhippieâ, com algumas dĂ©cadas de atraso; algum espĂrito aventureiro, para encarar o acampamento silvestre; e o suficiente de comida e ĂĄgua para enfrentar a estrada para Minas Gerais.
Partimos, esperando encontrar uma SĂŁo ThomĂ© das Letras bucĂłlica, cercada por montanhas, habitada por adoradores de Raul Seixas e Aleister Crowley; no entanto, o primeiro contato com a cidadezinha mĂstica foi decepcionante: uma picape tocando algo entre sertanejo e pagode. O som alto poderia indicar que estĂĄvamos na Anhanguera, a caminho da Festa do PeĂŁo de Barretos, mas o cheiro de maconha nĂŁo deixava dĂșvida, estĂĄvamos na trilha correta.
Chegando Ă cidade dos discos voadores, saquei a Ășnica âdrogaâ que eu tinha: um CD de mĂșsica boliviana, comprado de um grupo de amerĂndios na Praça Ramos. As cançÔes folclĂłricas automaticamente nos identificava como os mais alternativos e habilitava a frequentar as melhores cachoeiras.
A essĂȘncia, o espĂrito de SĂŁo ThomĂ© continuava. Neo-hippies tocando Alceu Valença, Geraldo Azevedo, ZĂ© Geraldo e ZĂ© Ramalho no violĂŁo estavam lĂĄ; o Cruzeiro ainda animava as noites, no alto da cidade; as atraçÔes indicadas (pizza na pedra); cachoeiras; trilhas; e o camping. Havia tudo isso.
Contudo, a mesma propaganda boca a boca que despertou a minha curiosidade, transformou a cidade mineira, outrora escondida, em rota turĂstica, digna de estrelinhas no âGuia Quatro Rodasâ. Eu, que saĂ de SĂŁo Paulo me achando um bandeirante moderno, um FernĂŁo Dias do sĂ©culo XXI desbravando as âMinas Geraes, decepcionei-me ao testemunhar hordas de âplayboysâ a fim de âfumar umâ, âencher a caraâ e âpegar umas minaâ.
Eu ainda esperava encontrar uma grande concentração de gĂȘnios incompreendidos por metro quadrado, vĂĄrios doidos e, dizem, alguns extraterrestres. PorĂ©m, o mĂĄximo que pude achar, a olho nu, foram uns malucos que viajaram de ĂĄcido e um pouquinho de ocultismo e nĂŁo voltaram.
No entanto, o Cruzeiro parecendo um trem indiano, as cachoeiras lembrando a piscina do âSesc Itaqueraâ, o camping emulando o Parque do Ibirapuera e as filas para tudo apagaram a magia de SĂŁo ThomĂ© das Letras.
Voltamos sem experiĂȘncia esotĂ©rica, sem nenhum contato alienĂgena, muitos turistas (iguais a nĂłs), mas tambĂ©m alguns remanescentes duma SĂŁo ThomĂ© movida a âayahuascaâ.
Quando a Vila Madalena parece mais mĂstica que as montanhas de Minas Gerais, alguma coisa deve estar muito errada.