Do Nada
Presumo que meus pais, não tendo o que fazer, do nada resolveram fazer sexo e do nada nasceu um menino que viria ser o mais feio da reca de dez. Parece mesmo ter sido feito nas coxas, com todo respeito que merecem meus pais. Dizem até que antigamente se fazia muito menino, porque não tinha televisão, muito menos shopping center, internet e suas redes sociais, ou seja, não se tinha nada pra fazer, a não ser trabalhar, dormir ou meter. Meu pai, homem afetuoso e visionário, dizia sempre que se referia a mim: "este menino não serve pra nada e não vai dar em nada”. Acertou em cheio. Eu bem que tentei de tudo, mas tudo que consegui foi quase. Até rabisquei um texto que quase chega ser um poema. Se você não tiver nada melhor pra fazer, pode ler a seguir, ou saltar, certamente não terá perdido nada. Mas, contudo, consegui me aposentar e hoje passo a maior parte do tempo sem fazer nada. Quando não estou fazendo nada, estou dormindo, afinal ninguém é de ferro. Acordo bem cedo para ter mais tempo para fazer nada. Meu velho, sábio como era, tinha razão, não dei pra nada e duvido que alguém faça nada tão bem quanto eu. Não acho graça em nada, a não ser fazer nada. Para mim, nada melhor do que não fazer nada.
Quase
Quase um ancião e quase desencarnado
Tenho impressão de que quase fui tudo
No entanto quase nada deixo de legado
Aqui já entrei calado e daqui saio mudo
Quase fui engenheiro, cheguei a formar
Mas antes, quase fora um bom professor
Quase fui dentista, passei no vestibular
Cantei em coral, quase fui um bom tenor
Quase consegui carteira D para motorista
Abri uma loja e quase fui um empresário
Tanto mais não fui pelo problema de vista
O examinador acima não diria o contrário
Quase fui filhinho de papai, quase fui rico
Quase fui Dom Juan para incautas alunas
Quase fui assessor parlamentar e político
Quase fui tema para manchetes e colunas
Sei que quase serei enquanto tentar ser
Ao escrever assim, serei quase um poeta
Que já é quase um delito para eu cometer
Excelência e plenitude são a minha meta.