O Velho
O dia estava tão claro, fresco e, acima de tudo, bonito. Caminhava pelo bosque projetado pela minha mente, o verde das árvores mesclavam variações de cores das flores, cercadas por grades beges, detalhadas à renda. Parecia um dia alegre, uma história favorita sendo contada. Mas não se tratava de uma. Tudo referido até o momento fora obscurecido. Um filho matricida da natureza, daquele bosque, jogou uma tinta escura e sombria no céu. Bolas de fogo desciam daquele céu escuro. As flores murchavam, tornando-se cinzas até suas pétalas caírem, transformando-se em meros esqueletos; as árvores, moribundas, perderam o verde, agora fediam a morte. O horror, a tristeza, as passagens lúgubres, o vazio, a inexistência consumiam o meu corpo.
Um velho contista do horror diria que essa é uma das variadas formas de alastramento da desgraça, sendo a mais temida: o Lorde Humano.
Diante da palidez caótica, mas triste, avistei uma mão colossal envelhecida, acinzentada e horrenda; ela jogou naquele ar putrefato números. Vinte, vinte e um, vinte e dois até o vinte e sete. Entendi. A minha vergonha estava ali, exposta perante o cemitério onde jazia o bosque. Deveria embrenhar-me nas cinzas, esquecer os números, não lho deixar que continuasse suas contagens. Perder-me de uma vez por toda. Aquela mão recolheu-se para dentro daquele céu cinzento, fazendo aparecer um rosto que não era de um humano. Nele faltava olhos, nariz, orelhas; tinha apenas uma boca seca e sem dentes. Lentamente abriu aquela grande boca e disse algo.
Ainda posso escutar aquela voz nefasta e premeditando um fim, ela era putrefata e, assim como os trovões terríveis das tempestades, tonitruante. A vida de um apocalipse individual. Esse é o resumo de uma alma pobre, o fim dela.
Diante daquela vastidão de cinzas, árvores mortas e flores murchas, vi um velho. Estava sentado numa pedra, vestia um manto grosso acinzentado, barbas compridas e ralas, salpicadas de fios prateados, que acusavam a idade avançada; com um cachimbo na mão deu uma baforada, olhou para mim, sorriu, e disse:
---Não me atreveria a desistir agora, essa pintura melancólica diante de seus olhos merece justiça.
--- Como pode estar tão feliz diante disso tudo?
--- Como pode estar tão triste diante de uma batalha? Não dê prantos pelas causas mínimas. Está com vazio espiritual pela tragédia que assolam nossos tempos, mas desde os remotos o mundo passa por períodos de alternações. Caos, miséria, confusão mental, políticos populistas; não pode te entregar a tão pouco. O mundo precisa de salvação. Seres da terra sentem-se vazios, vagos, não compreendem mais o bom, são alienadas e hipnotizadas por qualquer coisa; cristãos sucumbindo-se ao materialismo e deixando a bondade de lado. Precisam conhecer a justiça e a verdade. Tu, meu nobre rapaz, estás no caminho certo, mas ainda há confusão em tua mente, precisas de mais força. Abrace a solidão, esqueça-te do vazio que lhe tanto maltrata tua alma; viva o mundo sabendo que amigos partirão, familiares irão embora, conviva alegremente com a solidão; encare a morte como ela é: natural. Faça tu parte, seja justo e verdadeiro.