O síndico

Ele gostava de pavonear-se pelas áreas do condomínio, sempre resoluto e diligente. Portava-se como se estivesse a resolver uma tarefa para algum ministro de estado, sem poder ser interrompido com solicitações menores. A. Carvalho era o protótipo perfeito para uma demonstração sobre ego inflado. Recebeu o codinome de Napoleão, não pelos talentos do onomástico.

O condomínio mantinha um contrato com uma empresa, para os serviços de portaria e zeladoria. A faxineira e o porteiro diurno gozavam de regalias e mandavam no condomínio. A moeda de troca era manter o sínico informado. Síndico, perdão. Encomendas dos seus desafetos raramente eram-lhes entregues tão logo chegassem.

O sínico, síndico, perdão, contratou uma empresa para impermeabilizar a laje da quadra: o trabalho foi padrão Organizações Tabajara. Não houve reclamação formal nem ressarcimento; ficou o dito pelo não dito. Os problemas entre os funcionários da portaria presencial só faziam aumentar e a gestão zelosamente parcial do sínico, síndico, perdão, acabou em processo contra o condomínio que, claro, foi ganho pelo reclamante. Dessa, o sínico, síndico, perdão, saiu ileso.

A portaria presencial foi substituída por uma remota. O empenho do síndico pela nova empresa era notável. A portaria queria saber o que o visitante faria na unidade, se era parente ou prestador de serviços. Conta-se que um visitante irritado com o questionário, passou-se por profissional do sexo e elencou, com pormenores, o que viera fazer. Mas ordens são ordens, não?

Um condômino cuidava das plantas do condomínio, com poda, rega e adubação. Era voluntário. Em seis meses, as plantas recuperaram a vida. O síndico sempre soube desse trabalho e jamais deu qualquer tipo de apoio ao condômino. O voluntário começou a ganhar certa evidência pelos resultados das plantas e o sínico, síndico, perdão, quis ditar ao condômino o que ele deveria fazer e como deveria fazê-lo. O voluntário entendeu que incomodava o sínico, síndico, perdão e desistiu. Em seis meses as plantas quase morreram. O sínico, síndico, perdão, estava sob mira.

O momento de brilhantismo do sínico, síndico, perdão, foi quando a portaria remota exigiu que o visitante, ao sair, informasse uma senha à portaria, para ser liberado. A portaria interfona informando que o eletricista chegou; o morador autoriza sua subida e precisa anotar uma senha de quatro dígitos que deverá entregar ao eletricista para poder deixar o prédio. Sem senha, não liberavam a saída. O sínico, síndico, perdão, mereceria ser agraciado com um IgNobel.

Napoleão, enquanto fora síndico, exigia que o regulamento interno fosse cumprido, mas só pelos seus desafetos: o lixo orgânico iria para os sacos grandes, na garagem; o reciclável, em sacos amarelos da prefeitura, para a caçamba, na calçada.

Depois que esse luminar encerrou seu mandato, ele foi visto, algumas vezes, colocando seu lixo reciclável junto com o orgânico. Foi flagrado saindo da garagem na contramão. Também foi flagrado descendo uma rua na contramão para aproveitar o semáforo verde. Vai ver que algum ministro de estado esperava por ele, o sínico, síndico, perdão. O ex.!

René Henrique Götz Licht
Enviado por René Henrique Götz Licht em 22/12/2022
Reeditado em 12/01/2023
Código do texto: T7677366
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