A chuva e eu
Finais de ano sempre desaguam em pedidos, promessas, arrependimentos e confidências. É o meu caso. Desato a contar coisas pessoais, fico melancólico e preocupado enquanto aguardo as retrospectivas publicadas pelos jornais. Já não há mais como fazer grandes planos e dar guinadas no caminho, afinal, o que já foi não volta, resta afrouxar as expectativas. Mas o sentimento de término de um ciclo estimula reflexões sobre o cotidiano, o tempo, o passado e a vida. Eu, por exemplo, preciso resolver vários litígios, inclusive com a chuva, com quem tenho uma relação muito controversa neste período do ano.
Para começo de conversa, eu gosto da chuva. Creio que seja um gosto partilhado com muita gente, mas sei que não é unanimidade. Uns a odeiam. Pobre chuva! Da minha parte, o som da chuva, o gosto da chuva, o cheiro da chuva — me seduzem. Quando ela vem de mansinho, calma e se demora, a admiração vira fascínio. E o barulhinho da chuva? O amor agradece, as relações se tornam mais aconchegantes. Nada como uma tarde chuvosa para namorar, curtir, sonhar juntos, não é? A chuva embala. Já experimentaram?
Não pensem que chuva é tudo igual. Tem a chuva da tarde, a chuva noturna, a chuva rápida, pé-d’água, tempestade, cada uma com seu jeito e suas manias. Nem tudo é perfeito: de manhã, em dia de semana, vira um transtorno, aborrece. Você tem de sair para trabalhar, abre a porta, olha para o aguaceiro e tem vontade de voltar para a cama. Cadê o guarda-chuva? Troca de sapato, recolhe a barra da calça, angustia-se com a bagunça no trânsito, os congestionamentos, as poças d’água.
Meu avô não gostava que criticássemos a chuva, parece que ele tomava a crítica como assunto pessoal: “Deixa a chuva cair, menino! Pior sem ela”, ele dizia. Explicava que a chuva era essencial para a lavoura e as criações. Despejava ensinamentos, falava da sua importância para a manutenção dos mananciais, para a regularidade dos rios, das bacias hidrográficas, para as usinas hidrelétricas. Ele era entusiasmado com a geração de eletricidade, sabia do que estava falando. Minha avó gostava de acompanhá-lo, mesmo debaixo de chuva. Um dia, compraram dois pares de galochas. Eu nunca tinha visto coisa tão diferente, um acessório emborrachado para cobrir os sapatos, proteção contra a água e a lama. O artifício agradou no início, mas o uso não foi adiante, não funcionou.
Decifrar a chuva, suas características e seus segredos me encanta. Fazer previsões corretas e conhecer o clima do lugar ajuda a prevenir tragédias socioambientais, deslizamentos, enchentes etc. A melhor coisa que existe é poder aproveitar a chuva numa aconchegante varanda, em boa companhia e um livro nas mãos. Resta torcer para que ela continue caindo e que o enredo seja envolvente. Dependendo do livro, lê-se numa sentada.