🔵 Lula lá, eu aqui
Naquele dia, acordei mais cedo e tomei o café da manhã. Antes de sair, peguei uma pilha de “santinhos”. No panfleto, havia um sujeito barbudo e alguns escritos, dentre eles, um em destaque: “Lula lá”. Àquela época, ainda era romântico votar no PT e achar que o Lula significava o povo no poder.
Quem não foi socialista na juventude, não tinha coração; quem permanece socialista depois de adulto, não tem cérebro. Esta anedota talvez entregue que eu sempre fui frio e calculista. Não precisei receber boletos, nem DARF’s para descobrir que o Estado seria meu maior inimigo e as estatais são “elefantes brancos” que favorecem a corrupção e expõem a ineficiência do governo. Logicamente, eu ainda não havia estabelecido estes conceitos, de modo que fui convencer alguns eleitores, que assinalando na cédula o nome daquele cara, que eu mal conhecia, teríamos um País melhor.
Eu não sabia, mas aquela experiência tinha o potencial de alterar o rumo da minha vida. O terreno era espinhoso, de modo que gás lacrimogênio, jato d’água, cassetete, bala de borracha, algemas e camburão abririam um portal sem volta, deixariam uma ferida impossível de cicatrizar e alterariam minha incipiente personalidade para o resto da vida. Eu seria cooptado como um adepto de uma seita cujo fim é o suicídio coletivo.
Nem a escola, nos anos 80, foi capaz de me tornar ávido por justiça social. As aulas de História e Geografia não me convenceram de que éramos todos opressores e oprimidos. A propaganda, feita por um professor, da fundação do Partido Verde não me comoveu, continuei achando o feto humano mais importante do que o ovo de tartaruga.
A contestação, causada pelo choque de gerações, aos meus pais era facilmente dissuadida com um pacote de ‘Biscoitos São Luiz’ sabor chocolate e a revolta com a Igreja Católica era aplacada com a ameaça de um deus vigilante e vingativo.
Essa opção, numa encruzilhada da vida, me impediu de virar um Che Guevara de butique, vestindo sandálias de couro e calça de algodão cru, passar as tardes na Vila Madalena me entupindo de cachaça com linguiça e achando Guilherme Boulos e Marcelo Freixo caras legais.
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Consegui abstrair aquela situação e vi que não ornava. A estética era péssima: eu distribuindo panfletos do PT, sorrindo e sendo retribuído com indiferença. Constatando que aquilo não era pra mim, devolvi a pilha de panfletos e segui me decepcionando com a política, mas, a partir dali, somente com a direita.
A minha alternativa foi o Collor, o caçador de marajás.
Fim.