Hermann Hesse
Então não é desprezo pelas pessoas o que sinto. É desprezo pela atenção – ou seria melhor, dedicação – que devoto às pessoas e que deveria devotar a mim mesmo.
Há tempos que não me ocupo mais com ensinamentos nem com mestres. Minha preocupação não é mais ouvir e sim, fazer. E quem tem de fazer sou eu mesmo. E posso e consigo!
Assim, descobri que amo. Embora me achasse incapaz de amar, dei-me conta de quão errado estava. Claro que eu amava e amo, só que não de uma maneira convencional. Meu amar é me sentir em paz diante das conquistas de alguém, desde que sejam conquistas com esforço próprio, com luta, dedicação e força de vontade. As minhas conquistas eram negligenciadas.
Gostaria de saber escrever com elegância, com estilo, com poesia, com imaginação. Mas se escrevesse assim, já não seria eu. Eu escrevo de modo retilíneo, como meu pensamento. Sem muitas voltas e sem buscar eufemismos, exceto se for para cumprir o papel do sarcasmo ou da ironia, recursos que aprecio empregar com frequência.
Voltando às pessoas, realmente dispenso a companhia de todas elas. Prefiro mesmo a minha. Mas descobri que não é porque não goste delas, e sim, porque preciso me ocupar comigo, trabalhar-me. Há tanto por fazer, tanto por entender, aceitar, perdoar, sorrir internamente. E tanto por expurgar; tanto, tanto! Tudo de mim, para mim mesmo.
Não, isso não é egoísmo. Ao cuidar de mim, passo a ser melhor para mim e para todos com os quais interajo. E, se for egoísmo, que seja. Não escrevo para os outros; escrevo como um exercício de me comunicar comigo, de entrar em contato com conteúdos meus para aceitá-los e dissolvê-los depois de não me transmitirem mais medo nem culpa.
Se me fosse possível, jogaria fora uns 80% dos ensinamentos que obtive na vida. Mas não o faria, de fato, não pelo seu valor intrínseco – que duvido que tenham – mas por terem me conduzido ao que hoje sou e a como estou, tanto para o bem como para o mal.
Um grande entrave na minha vida surgiu da minha inclinação religiosa. Aceitei e vivi a verdade da Igreja e esforçava-me para cumpri-la, até me dar conta que eu era um dos poucos idiotas que levava a doutrina a sério. Bem, muitos também a levam a sério, mas para angariar prestígio, poder e dinheiro.
Com a doutrina, veio o pecado e a culpa. São sentimentos fortes, com tentáculos por toda a parte, que aprisionam e impedem qualquer um de elevar-se acima de suas aspirações.
Ao ser tolhido na liberdade até de pensar, não se nota o véu da hipocrisia que encobre o reino das igrejas. Mas um dia o pano cai, e o deus bíblico e o deus das igrejas craquela e começa a desfazer-se como pó e vai sendo varrido pelo vento e espalhado no ar.
Livre, é possível ocupar-se de si mesmo para amar-se. O amor cura a culpa e o pecado.