Palestra: questionando as idiossincrasias dos super-heróis

 

PALESTRA: QUESTIONANDO AS IDIOSSINCRASIAS DOS SUPER-HERÓIS

Miguel Carqueija

 

Revendo um dos meus velhos cadernos, encontrei a sinopse de uma palestra que proferi numa das reuniões cariocas do Clube de Leitores de Ficção Científica, no ano de 1990. Essas reuniões se realizavam em locais diversos, pois nunca tivemos uma sede. Como se trata de uma simples anotação, não coloquei a data do escrito, mas está entre um texto de setembro e um de outubro de 1990. Claro que são apenas ideias básicas que desenvolvi ao palestrar, portanto uma espécie de roteiro.

De lá para cá, com a crescente degeneração ética e intelectual dos super-heróis norte-americanos (os Estados Unidos são a principal fonte desse gênero), o meu conceito desse fenômeno tornou-se bem mais negativo, com as exceções que admito e que em geral não são “made in U.S.A.”; de fato hoje em dia preferencio algumas super-heroínas do Japão e da França e a Kim Possible norte-americana, que são totalmente diferenciadas dos S.H. da Marvel e da DC, que são a maioria dos nomes citados na palestra.

Há muito tempo que eu não consigo palestrar, as coisas na área cultural foram se tornando cada vez mais difíceis ano após ano, nas últimas décadas. Mas ainda estou disponível para falar sobre esses assuntos de “cultura pop” como ficção científica, filmes, desenhos, seriados, quadrinhos. Mas, vamos à sinopse da palestra, com algumas notas que estou acrescentando hoje (16 de dezembro de 2022) para esclarecer melhor aos leitores:

SUPER-HOMEM – Crypton, a fuga, a cryptonite, exame de sangue, identidade, visão raio-X. NOTA: eu questionei um assunto aparentemente nunca enfrentado nessas histórias, ou seja, como Clark Kent pôde evitar ser vacinado ou fazer exames de sangue já que, sendo invulnerável, nenhuma agulha penetra em sua pele.

FANTASMA – roupa, herdeiros, idade do Capeto, situação da África, reino de brancos. NOTA: a idade do Capeto é um mistério, pois deve ser o cachorro mais velho do mundo. Nas histórias em quadrinhos do “Espírito que anda” que acompanhei no extinto jornal carioca “O Globo” (como eu conheci esse jornal, realmente está extinto, o que existe hoje é irreconhecível) os negros do continente africano ainda viviam em tribos selvagens e existiam reinos de brancos, com monarcas brancos. Lembro de um colega do CLFC, o Fábio Fernandes, que observou em conversa comigo que hoje (década de 80 ou 90) não existiam mais tribos na África, como sabemos, os naturais já viviam de há muito em cidades inclusive bem grandes e modernas. O Fantasma, a meu ver, entrou em decadência por seu anacronismo em relação à evolução dos povos africanos.

MULHER-MARAVILHA – paradeiro da roupa, machismo – citar Estelar ou Kory. NOTA: bem, eu entendo que a roupa de super-heroína aparece e desaparece por efeito sobrenatural, única explicação plausível. Quanto ao machismo, é óbvio que a Mulher Maravilha tem um forte componente sensual que faz dela um símbolo sexual. Em contrapartida, por via de regra os super-heróis (masculinos) nem sei como não morrem de calor.

MANDRAKE – roupa de mágico. NOTA: a idiossincrasia da qual falei na palestra foi essa de o Mandrake andar pelas ruas com o mesmo traje de mágico circense. Hoje eu acrescentaria o tal “gesto hipnótico” com o qual ele hipnotizava qualquer pessoa num abrir e fechar de olhos. Ora, o gesto que ele fazia qualquer pessoa pode fazer.

O SOMBRA – escritório, entrada e elevador secreto. NOTA: li num romance do Sombra que ele utilizava um escritório secreto num edifício comercial em Nova Iorque, que ele entrava no prédio por uma entrada secreta e subia num elevador secreto. Alguém acha isso possível?

HULK – O nome, a roupa. NOTA: sobre o Incrível Hulk, criado por Stan Lee e na época um personagem relativamente recente, eu sempre me perguntei como é que sabia o nome do gigante verde ou como ele próprio sabia. Afinal de contas ele não era, originalmente, um sujeito que nem sequer falava e de mente primitiva? Como se sabe, aquele rapaz, Bruce Banner (não confundir com Bruce Wayne, o Batman), atingido por raios gama ou coisa que o valha (sempre essas explicações pseudo-científicas para os poderes e habilidades dos super-heróis, mesmo um tão atípico como esse, que nem sabe que é super-herói), quando fica nervoso começa a inchar e se transforma no Hulk. Embora fraco em sua forma natural, Banner transformado em Hulk é um gigante poderosíssimo e irritado, que pode quebrar tudo em redor. Mas de onde veio esse nome de Hulk? A questão da roupa é pior ainda: ao inchar ele rasga camisa e sapatos, mas permanece com as calças. No seriado de tv onde o ator Lou Ferrigno, de físico avantajado, interpreta Hulk, isso ainda podia passar com boa vontade; mas depois começaram a utilizar computação gráfica nos filmes e o monstro verde foi ficando cada vez maior. Na verdade ele deveria ficar sem roupa alguma, completamente nu, será que ele veste calças super-elásticas?

POPEYE – o espinafre, história dos Furtalins; o Procopinho; a Olívia Palito; o Dudu. NOTA: essa história do espinafre, que transforma o Popeye num super-homem, parece ter relação com o incentivo às crianças para que comam verduras. Só que na vida real ninguém obtém o poder de dar um “soco de saca-rolha”. Os furtalins são uma raça de ladrões que habita uma ilha misteriosa, num dos quadrinhos que eu li em criança. O Procopinho é filho adotivo do Popeye, teoricamente um bebê mas que fala e sabe dar socos. O Popeye é um caso especial, não é DC nem Marvel, é um super-herói infantil mas bem violento, apesar de sua violência ser caricatural, cômica.

HE-MAN – a identidade, o rei, a reversão da magia, a localização e o nome de Eternia. NOTA: He-Man era igualzinho ao príncipe, sua identidade secreta, e o rei estava sempre com uma típica coroa equilibrada na cabeça, que não caía. O personagem parecia até o “Reizinho” de Otto Soglow, de antigos desenhos e quadrinhos. Nunca vi mostrarem como o He-Man revertia da transformação. Também não dá para saber onde fica Eternia, aliás tudo parece muito primitivo nesse planeta, onde o que não falta é monstro. E o que tem de eterno em Eternia?

TARZAN – o caso de Mike Henry, os monstros, a língua dos macacos, o aprendizado, as tribos, o paternalismo. NOTA: um caso parecido com o do Fantasma, porém mais antigo; Tarzan foi criado pelo escritor norte-americano Edgar Rice Burroughs no início do século 20. Essa história do Tarzan falar com os macacos equivale a uma descoberta científica. Mike Henry era o ator que interpretava o Rei da Selva na década de 60. Ele chegou a filmar no Brasil. Depois que sumiu, bem depois, li uma pequena nota de jornal dando conta de que Mike estava processando o estúdio por ter pego um resfriado crônico de tanto filmar seminu nas selvas.

FLASH GORDON - a propulsão das naves, o Ming, a política, o maniqueísmo. NOTA: era comum nos velhos tempos que filmes de ficção científica mostrassem naves espaciais com os motores ligados em pleno vácuo, expelindo chamas, porém isto seria absurdo, pois o combustível logo acabaria. No vácuo as naves se movem por inércia, os controles são acionados apenas para manobras ou ajustes. Quanto ao Ming, imperador do planeta Mongo, era um autêntico chinês. O pior de tudo é que Flash Gordon, ao chegar lá, conversa com todo mundo em inglês.

FAMÍLIA MARVEL – Shazam, Doutor Silvana. NOTA: a Família Marvel: Capitão Marvel, Mary Marvel e Capitão Marvel Júnior – é um caso à parte. Shazam é a palavra mágica de transformação. É uma série cheia de bizarrices, com diversos vilões doidos para dominar o mundo. O Doutor Silvana é o mais conhecido. Mas para que esses vilões querem dominar o mundo se depois vão ter o maior trabalho para administrá-lo?

BATMAN – a faxina, a família, a bat-corda, a instalação do batfone, a construção do batmóvel, do bactcóptero e do batcomputador. NOTA: sempre questionei quem faz a faxina da imensa Mansão Wayne, pois se for o velho mordomo Alfred, isso contraria o Estatuto dos Idosos. Um amigo meu observou, sagazmente, que “a morcegada mesmo fazia a faxina”. É difícil entender que Bruce Wayne, mesmo sendo um milionário, pudesse ter instalado um telefone para uso de seu alter-ego sem conhecimento da companhia telefônica, isto é, sem saber que era para o Batman. Da mesma forma o emplacamento do batmóvel, e os demais itens bat. Quanto à batcorda, sempre duvidei da sua eficácia, ainda mais que o Homem Morcego a atirava com a mão. E ele e Robin se moviam sobre o abismo entre prédios imensos, sem medo de que o gancho escorregasse e eles caíssem para a morte. Mas a bat-corda foi adotada por outros personagens, a simpática Kim Possible e o anti-herói japonês Lupin III.

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Acabei não incluindo o Homem Aranha na palestra, mas ele já era bem popular na época. Eu poderia indagar, mais especificamente do aracnídeo, como é que ele não morre de calor ou falta de ar, pois todo o seu corpo é coberto pelo uniforme.

Claro que há muitos outros aqui não incluídos, como a Mulher Gavião, o Homem de Ferro, Flash, Aquaman, Namor, Lanterna Verde, Canário Negro. Arqueiro Verde, Lanterna Verde e outros dessa parafernália norte-americana bastante indigesta e repetitiva.

As minhas preferências hoje repousam em Sailor Moon (japonesa), Ladybug (francesa) e Kim Possible (norte-americana, mas fora de Marvel e DC).

 

Imagem pinterest: o Capitão América, não citado na palestra porém um dos mais antigos e conhecidos. Reparem no aspecto de agressividade que a figura transmite, um dos principais defeitos do mundo dos super-heróis.