Louvado seja...
“Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo...”, foi exatamente com essa louvação antiga da fé católica que o amigo Daniel Duarte Pereira iniciou mais uma reunião do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri Parahybano, Casa de José Leal Ramos. O encontro do IHGC ocorreu no último sábado na Ribeira de Cabaceiras-PB, durante a ‘II Expo Couro Bode’, festival nacional que propõe expor toda a força da produção do artesanato em couro de bode da cidade de Cabaceiras, principalmente do próspero distrito da Ribeira, um conjunto bem arrumado de um punhado de ruas, parecendo uma pequenina cidade. A temática foi a valorização do associativismo que existe no município há quase quatro décadas, quando se criou a cooperativa Arteza reunindo pequenos artesãos que já curtiam couro naquelas cercanias.
A Expo Couro Bode teve programação para os dias 25 a 27 de novembro comtemplando desde feira gastronômica a shows do tradicional forró, transformando completamente a pacata Ribeira em um centro de discussão, feira de exposição, sessão da Câmara Municipal, reunião do IHGC e criação de um Museu. Para o evento, tive a companhia do amigo escritor José Edmilson, representamos o IHGP e a Academia de Letras de Campina Grande.
Mais olhe, foi uma alegria voltar ao Cariri depois de alguns meses. E para chegar a Cabaceiras, tomamos o caminho do Cariri mais agrestado. Logo Queimadas nos deu bom dia e com a majestade solar, fui conferindo na Serra de Bodopitá as grandes pedras que pululavam brilhosas em meu olhar. Notei que vários pequenos açudes e barreiros tomaram bastante água, imprescindível para o verão que se achega. No fim da serra, passei devagar pelo rio Bodocongó, que ali aparta Queimadas de Caturité. Em cima dele, é possível realizar o sonho de estar em dois lugares ao mesmo tempo, lembro das inúmeras vezes que ali parei com um pé de cada lado. Logo à frente o povoado de Curralinho e mais adiante Boqueirão, a cidade das águas, com seu grande manancial que dá de beber a Campina Grande e uma série de municípios do compartimento da Borborema desde 1957. Uma agitação de cargas e comerciantes denunciava uma feira. Alguns municípios do Cariri são animados com feiras principalmente aos sábados. Aproveitamos o movimento e tomamos um cafezinho, ainda deveríamos vencer mais cinco léguas até Cabaceiras.
Antes de ir para a Ribeira, cujo acesso é na entrada da cidade, resolvi matar a saudade e ver os contornos da cidade, da igrejinha do filme ‘O Auto da Compadecida’ até o posto, lá no fim da rua. No caminho da Ribeira, uma novidade: os 14km que separam distrito e cidade estão sendo asfaltados e as máquinas não param. Em breve estará tudo pronto. Já na Ribeira, palco armado de frente a Igreja de São Paulo, várias tendas com expositores e o evento ocorrendo no ventilado ginásio de esportes. Chegamos na hora! Padre João Jorge Rietveld palestrou sobre Cabaceiras, a Ribeira e a origem do trabalho com couro na segunda metade do séc. XIX por Antônia Marçal de Farias (Totonha Marçal) quando ainda a Ribeira era uma data de terra com o nome de Curral de Baixo. Pe. João, pároco em Cabaceiras, é um profundo pesquisador dos Cariris Velhos e escritor de várias obras. Já a Totonha Marçal deu nome ao Museu Nordestino do Couro, mais uma iniciativa de Daniel Duarte que de tanto amor ao Cariri tem buscado construir casas de memória. Foi assim em Sumé (sua terra natal), em São João do Cariri, na UFCG e tantas outras iniciativas. O Padre falava e nas pausas de sua voz, ouvíamos berros de bodes que pastavam tranquilamente nos aceiros, achei bem representativo.
Me emocionou a fala empreendedora da adolescente Maria Clara, que usa o que sobra do couro do trabalho do seus pais para desenvolver novidades e ter sua independência financeira. Muitos filhos da Ribeira, nas últimas décadas, têm voltado do sul do país para buscar o sustento em sua terra natal e os mais novos também não precisam sair do seu lugar, a prosperidade está logo ali. Tive o prazer de caminhar pelas ruas da Ribeira com Daniel, enquanto Edmilson conhecia a Arteza. Conheci artesãos, gente do povo e pude bater um papo com um baluarte da cultura da cidade, o Carlos José, em seu aconchegante terraço, onde conheci o economista Rafael de Sousa da cooperativa Inovagro, oportunidade de entender os desafios de uma cadeia de produção de carne de caprinos e ovinos.
Próximo ao Museu, fomos convidados a degustar bode guisado no Restaurante do Mano, onde o poeta Paulinho de Cabaceiras nos encontrou. Mano é de uma gentileza ímpar, até à mesa ele vem e compartilha histórias, nos chamando sempre de ‘maninho’. Voltamos à Campina banhados da cultura caririzeira mais genuína, alegres em participar de momento tão importante. E respondendo a Daniel: Para sempre seja Deus louvado!