NAQUELES BAIRROS AFASTADOS

Naqueles bairros afastados do centro, a vida se escorria por entre as horas sem muita preocupação, pois os imprevistos raramente aconteciam. Os afazeres domésticos ocupavam a maior parte do dia das donas de casa, porque não haviam as facilidades trazidas pelos freezers, fogões a gás ou elétricos ou os demais utensílios. Bolos, tortas, pães especiais ou biscoitos eram processados à mão, porque as batedeiras ou liquidificadores eram raridade, geralmente importadas dos Estados Unidos.

Para as festinhas dos aniversários das crianças, quando comemorados em grande estilo, recrutavam-se a mão de obra das tias ou amigas da mãe do aniversariante para que fossem preparadas a decoração e as delícias com dois ou três dias de antecedência, porque não existiam as casas de festas nem os bufês especializados em providenciar tudo e em tempo recorde. Aqueles mais abastados até podiam alugar um clube para a festa, mas tudo mais teria que ser providenciado pelos membros da família.

Os deveres de casa das crianças, trazidos da escola, eram supervisionados pelas mães, ou em raros casos pelo pai, pois este saía bem cedo para o trabalho e só voltava para casa quando, na maioria das vezes, os filhos já estavam dormindo, porque criança ia para a cama entre as 18 e 19 horas, sem apelação, afinal “a noite foi feita para livrar-nos de moscas e crianças”.

Os adultos, por sua vez, podiam colocar as novidades em dia nas conversas com os vizinhos, sentados em cadeiras nas calçadas sob a brisa morna dos dias estivais até que o apito do Guarda Noturno avisasse aos retardatários que já passava da hora de se recolher.

Havia tranquilidade mesmo naquelas ruas mais desertas, porque os encarregados da segurança sabiam aplicar os castigos merecidos a quem ousasse perturbar a paz e a boa convivência. O comissário de polícia tinha, e exercia com a máxima eficiência, a autoridade que lhe era conferida pelo cargo que ocupava e os castigos físicos desencorajavam quaisquer atitudes fora da normalidade. Mas vez por outra aparecia o “ladrão de galinhas” visitando os quintais.

Lembro-me bem da noite em que um desses desavisados apareceu na nossa casa. Meu pai ouviu o burburinho feito pelas aves, levantou-se e de arma em punho, abriu a porta dos fundos da casa, acendeu a lâmpada do quintal e atirou num dos mourões do galinheiro. Apavorado pela reação, o ladrão fugiu deixando o garajau onde já estavam várias galinhas. Na manhã seguinte, meu pai retirou as nossas galinhas e levou o garajau com as demais até o comissariado que ficava noutro bairro, onde foi registrada a ocorrência. Nesse dia, pela primeira vez, eu vi um B.O. lavrado por escrivão de ofício: “Aos tantos dias do mês tal do ano tal, foi registrada neste comissariado de polícia da cidade do Recife, etc. a ocorrência de furto praticado por indivíduo não identificado...”

Vozes maldosas, insinuaram que o Guarda Noturno devia fazer parte do bando do ladrão de galinhas, e que por essa razão, ele teve o topete de assaltar os galinheiros da redondeza, mas era praticamente impossível ser verdade, porque naquele tempo, aqueles que vestiam a farda caqui da polícia, eram possuidores de conduta ilibada e permanentemente vigiados por seus superiores.

Durante muito tempo o assunto do ladrão foi motivo para as conversas nas calçadas...

Mas felizmente o tempo passou, mudaram-se os hábitos e nos terrenos onde haviam casas, jardins e quintais hoje existem os edifícios que abrigam dezenas de famílias confinadas pelas portas sempre fechadas dos minúsculos apartamentos, cujos habitantes não sabem quem são aquelas pessoas que ele cumprimenta, com um protocolar bom dia, ao entrar no elevador ou quando raras vezes participa da reunião de condomínio.