AMOR E ÓDIO ENTRELAÇADOS
Há vários anos, escrevi um livro retratando a vida de um grande empresário, dono de império composto por várias indústrias. Ele começou do nada e hoje é referência nacional. Quando o texto ficou pronto, pediu que fosse validado pelos seus familiares, o que fizemos na sua bela propriedade, imensa fazenda do período colonial. Lá estavam o protagonista da obra, esposa, irmãos, cunhados e 5 filhos com respectivos cônjuges. Tivemos um agradável almoço regado a vinho da melhor qualidade. Quando apresentei o que havia feito, a aprovação foi geral, apenas com pequenas correções de datas e grafia de sobrenomes, como é de praxe. O clima era de grande harmonia familiar, todos felizes e entusiasmados com o projeto, especialmente os filhos. Ao final do encontro, o anfitrião foi me acompanhar até o carro. Na hora de nos despedirmos, confidenciou: -Todos me odeiam. Não veem a hora de eu morrer pra botar as mãos em tudo o que construí ao longo de mais de 70 anos sem tirar um dia de férias. Vá com Deus, prezado escritor, e muito obrigado pelo belo trabalho!...
Aquela voz embargada, doída, ficou ecoando na minha cabeça enquanto pegava a estrada de volta pra casa.
O meu cliente, com a sabedoria que só os anos geram, enxergava e ouvia bem além do que seus olhos e ouvidos captavam.
Tanto dinheiro acumulado, tantos empregos gerados, pra chegar aos 92 anos com a certeza de que seus frutos eram meros abutres disfarçados, só esperando a carniça pra saciar uma fome fria, desumana e cruel. Aquela bonita trajetória bem que merecia outro arremate.