Confissão
E Deus me presenteou com uma confissão, como se eu lhe fora um de seus preciosos. Fui colocado diante de um homem valente e generoso como poucos conheci, para ouvi-lo e me encantar não com ele, mas com a certeza da existência de homens corretos, nobres, dignos e decentes. Achava que estavam em extinção, mas eis que me deparo com um deles.
Eugênio relata-me seus problemas ao longo de uma trajetória de alguns meses. Fala-me das idas e vindas, dos erros e dos acertos, de encontros e desencontros. Mas fala-me da soberba, um termo para exponencializar arrogância. Fala-me do coração empertigado, pétreo, que a soberba elevou ao cume da dureza. Fala-me de fazer valer vontades, a qualquer custo, sempre correto e certo, em si e por si, e alavancado pela soberba.
E de quem me narra Eugênio essas todas experiências vividas? E eis que se me surge o espantoso: diante de mim, agora, e diante de Deus, anteriormente, a soberba se estava desintegrando como uma parede, cujo reboco ressecado e rachado rui lenta e progressivamente, em pequenas partes, até desnudar cada tijolo da construção. O tijolo exposto faz entrever um coração. Ainda duro. Ainda resistente, mas já sob a ação do tempo das lágrimas que lavam e purificam. O tijolo-coração havia-se tornado umedecido e sua dureza já não mais era a mesma.
Eugênio fala de si próprio; de suas experiências recentes que lhe sufocaram a fala, obstruíram a garganta, a ponto de mal conseguir se alimentar. Sequer líquidos atravessavam os bloqueios impostos pelos seus atos. Eugênio relata os arrependimentos, inúmeros, e a vontade de se pôr a dormir para não mais acordar nessa realidade.
O que Eugênio não sabia, ainda, é que estava em meio a seu batismo. Um batismo não ritualístico, nem cerimonioso, nem confessional. Um batismo não de aparência, pela metade, pois era nítido o não-retorno. Eugênio estava sentindo as fortes contrações das dores do parto de sua conversão. E, em meio a essa dor insuportável, Eugenio antevia o gozo do término da jornada: ele estava a dar à luz a si mesmo. Nasceria em outro mundo, que sempre lhe fora sagrado, mas que nunca recebera maior atenção em meios às suas tribulações.
Eugênio conseguira se banhar nas águas que sua soberba e seu coração duro transformaram em lágrimas como num dilúvio. Essas águas do homem velho, tão essenciais por lhe trazerem as roupas do homem novo que ele estava prestes a se tornar. Sem essas águas de dor, sem cada ponto do intenso sofrimento, sem cada lágrima escorrida, sem cada soluço emitido não lhe seria possível erguer-se às suas mais elevadas aspirações como ser humano.
Eugênio havia finalmente encontrado, pela via da dor e do sofrimento pungentes, o sentido de sua vida. Agora, ainda dolorido e fragilizado, precisava se recompor para poder agarrar-se firmemente a esse sentido e não o deixar escapar. Nada, nem ninguém, poderia se antepor a esse sentido recém-descoberto.
Eugênio pode, agora, calar e contemplar, pois que as dúvidas se estavam dissipando uma a uma. A paz que não é deste mundo começava por envolvê-lo. O sentido da nova vida de Eugênio tem um nome que, agora, ele ousa pronunciar: Deus!