Guru na Guerra Fria: fale-me de você
Em Copenhague, década de 70 até a metade de 80, morava um bom número de exilados de todas as tendências e nacionalidades. Eram poloneses, curdos, bolivianos, irlandeses, chilenos, uruguaios, argentinos e brasileiros, entre outros. Dentro das normas inclusivas do governo local, já no final dos anos 70, havia centros culturais e recreativos que qualquer exilado, sem discriminação, podia frequentar. Escolas de dinamarquês eram específicas para eles, pois vigorava o conceito de que quem não fala a língua local é um handicapped.
Nessa salada, com tantos expatriados involuntários, havia diversos lugares de socialização financiados pelo governo dinamarquês e órgãos da ONU. Nesses locais, os ideários políticos se suavizavam e até romances se iniciavam entre antípodas ideológicos. Nesse contexto, para os exilados brasileiros, os funcionários da Embaixada eram evitados. Para eles, todos éramos espiões e torturadores.
Entre os compatriotas exilados, estava o escritor e cineasta Tabajara Ruas, gaúcho de Uruguaiana. A propósito, Tabajara está ainda em plena atividade, em bem vividos 80 anos. Fui apresentado a Tabajara por uma conhecida comum em algum dos centros de exilados e, dias depois, apresentei-o ao Guru.
A amizade, entre os dois ia de vento em popa, até que um dia o Guru, fissurado no co-counselling - terapia baseada no encontro de dois pacientes revezando-se no papel de terapeuta e paciente - largou a frase basilar dessa terapia, sem preparar o nosso novo amigo. Guru disse ao Taba (avesso a formalidades, já o chamava de Taba desde o primeiro minuto de papo), solenemente:
- Fale-me de você.
Era apenas a sua maneira de iniciar uma sessão de co-counselling, mas o Taba deve ter interpretado como se o Guru fosse interrogá-lo à moda militar. Taba, assustado, nunca mais quis falar com o Guru sem testemunhas.