Inesperada cirurgia

 

               É incerto o lugar onde a morte

                                   te espera;

               espera-a, pois, em todos os lugares.

                                               Sêneca

 

          1. Tenho um encontro marcado com o bisturi do meu médico. Quando? Logo, logo.                Aceitei tirar um pedaço do meu corpo para ter mais alguns anos de vida. Esse encontro tem me roubado horas de sono. Madrugada adentro, fico a pensar: dessa não escapo. Fecho meus olhos e me vejo seminu, na congelada sala de cirurgia, à espera do cirurgião. E ouvindo alguém cochichado no meu ouvido: calma, vai dar tudo certo. É um suplício, amigo; é terrível, amiga.

          2. A cirurgia à qual vou me submeter não é para arrancar o inútl apêndice que, em boa hora e há muito tempo, me levaram, em um modesto hospital do Nordeste. É de alto risco, sim, embora me digam que não. Olha, queridos, o doutror vai abrir ninha barriga.           Perdido nas noite velhas, pergunto a mim mesmo: vale a pena passar por todo esse sofrimento depois de ultrapassar os 80 anos; é os 80, sadio e lúcido como um imberbe feliz? A vida apronta dessas.

          3. Mas, segundo meu competente médico, pra eu ficar bom, outra opção, além da cirurgia eu não teria. Se eu quisesse viver mais, a cirurgia. Como eu adoro viver, resolvi, depois de consultar meus santos, acolher o conselho do doutor. Tem tanta gente rezando por mim que até São Pedro, acho eu, admirou-se com minha popularidade. Não é novidade: na vida, só fiz amigos. 

          4. Sempre briguei com a morte. Nunca admiti me ver morto. Mesmo sabendo que, em algum momento, teria que encarar um crematório ou um pedaço de chão, num cemitério qualquer.  Foi há pouco tempo que aderi à cremação. Acho um procedimento fúnebre menos traumático, embora a partida definitiva doa, com igual intensidade, tanto no crematório como à beira de uma cova. 

          5. Brigo com a morte; mas, aqui pra nós, gosto do que sobre ela dizem meus irmãos espíritas. Costumo dizer, que eles acatam com mais naturalidade o desenlace final do que, digamos, os católicos, eu um deles. Os seguidores de Kardec estão melhor preparados para o desencarne, como eles chamam a morte; aceitam com mais resignação o estrago que a morte faz no coração dos que ficam. Acho bonito quando eles dizem: o corpo se vai, mas o espírito fica em plena atividade. Para eles, a morte não é fim de tudo.

          6. Nos dias que antecedem à minha cirurgia, tenho lido muitos livros escritos por afamados Médiuns, a começar pelo saudoso Chico Xavier. Na minha mesa de cabeceira, tenho alguns lívros espiritas entre eles "A morte na visão do espiritismo", do médium Alexandre Cardini. Vez em quando, volto a ele. Esse livro ensina-nos como morrer - ou desencarnar - feliz e em Paz. Não é um livro só para espíritas. 

          7. Ouvi de muitos espíritas, que as pessoas "apegadas" às coisas terrêneas desencarnam (morrem) com dificuldade. No seu livro, Cardini confirma. E assegura: "O apego é como uma forte amarra a nos prender à Terra". Lembra coisas e fatos às quais nos apegamos com imensa facilidade. Apegâmo-nos, segundo o médium, por exemplo, ao "passado", como também nos apegamos "ao animal de estimação", etc.etc. 

          8. Confesso: sou um apegado; gosto de muitas coisas terrenas. Sou apegado, por exemplo, ao meu passado. Meu passado é a minha história. Comecei  a escrevê-la num  glorioso março do século passado. Nunca o renunciarei; jamais o esquecerei. Perdoem-me os espíritas: levarei comigo meu passado, minha história, para a eternidade. E ainda há coisas que guardo comigo, com apego especial e em segredo. Delas não me desapego nem para mais fácil desencarnar.     

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 06/12/2022
Reeditado em 06/12/2022
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