Crônica de uma matança
Hoje, enquanto assistia a mais um jogo do Brasil na Copa do Mundo, avistei subitamente um pernilongo que voava rente à tela protetora da janela do meu quarto.
Levantei-me num pulo, e preparei-me para desferir um golpe mortal naquele inseto que voava em movimentos suaves e insistentes.
Instintivamente, e sem perceber de que lado da tela estava aquele bichinho, tentei aniquilá-lo com a palma da minha mão, com vários golpes rápidos e objetivos.
O efeito foi quase mediato, e uma pequena massa escura e disforme ficou colada na rede, como se um trator tivesse passado por cima do meu oponente.
Voltei para o jogo e esqueci aquele episódio. Assim que terminou a partida, voltei a olhar para a janela e percebi que ainda havia vestígios da minha cruel matança. Tentei limpá-la mas, para meu espanto, verifiquei que o pernilongo estava esmagado do lado de fora da tela de proteção.
Como é que o tinha morto se ele estava do lado de fora da rede? Sem a ter aberto? Isso, fez com que esquecesse de imediato a goleada do Brasil e algumas "dancinhas ridículas de um tal de pombo", realizadas pelos jogadores com a conivência e participação do seu técnico. Será que que a minha vontade de anular aquele bicho tinha sido tão forte e determinante, ao ponto de ter alterado fisicamente aquele desfecho de uma forma inusitada e aparentemente inviável?
Fiquei a pensar nessa ocorrência, e não pude deixar de relacionå-la com a Mecânica Quântica e com o poder da mente consciente, capaz de alterar e condicionar a matéria a nível do seu observador.
Depois daquele episódio, a goleada imposta pelo Brasil ao seu adversário ficou, para mim, reduzida a uma pequena recordação efêmera e apenas simbólica. O que restou da imagem desse momento, foi a tentativa obstinada e heróica daquele inseto, que a todo o custo teimou em entrar na minha casa para garantir a sua sobrevivência.
Não fossem as nossas consistentes e efetivas intenções que nos tornaram oponentes e intervenientes naquele tão intenso e peculiar episódio, provavelmente apenas restaria na minha lembrança a imagem do desfecho apático e descolorido de mais um jogo de futebol, e o meu infeliz visitante ainda voltaria provavelmente mais vezes, para ensaiar muitos outros voos sublimes, graciosos e poderosamente objetivos.