A grif do Professor fashion
Nestes tempos de grandes e empolgantes discursos a respeito da educação, um amigo me procurou para um papo descontraído.
Professor, como eu, de filosofia, não deixa de analisar o que lhe acontece e o que vê acontecendo com os colegas.
No transcorrer da conversa acabei lhe confessando meu desencanto com o sistema educacional. Claro que já havíamos esclarecido os conceitos e ambos sabemos que o correto seria dizer sistema escolar, pois o processo educacional tem a ver com aquilo que a família produz, preserva e transmite às novas gerações. São os valores defendidos e promovidos pela família, e pela sociedade, de forma que as crianças cresçam e defendam esses valores.
E foi justamente neste ponto que estava nossa conversa.
Um confessando ao outro o desencanto com o sistema educacional – querendo dizer o sistema escolar de ensino.
Nessas alturas eu já lhe havia contado uma série de experiências vivenciadas não só em sala de aula como também em conversas com as equipes gestoras das escolas por onde já passei. Já lhe havia falado das tantas vezes em que fora repreendido por diretores, por supervisores e por outros tantos colegas de trabalho. Todos querendo me fazer crer que meu trabalho é equivocado, pois cobro conhecimentos para que haja aprovação e meus interlocutores insistem que não devo ser tão exigente, que não devo levar tudo tão a sério, que não adiante ter um grande volume de alunos em recuperação, que isso só me vai aumentar o trabalho e que os pais não estão interessados na aprendizagem, que os pais só querem a escola para cumprir a exigência legal, que no final do ano os pais querem é viajar e por isso querem os filhos aprovados mesmo sem terem aprendido…. E eu respondo, agora não mais com palavras e argumentos, mas com meu silêncio: se essa é a mentalidade que move professores e gestores e coordenadores pedagógicos (pelo menos a maioria deles)… então está explicada a razão da crise do sistema… está explicado porque os alunos não estudam... está explicado porque não querem estudar… mas, mesmo não querendo nada disso, querem ser aprovados…
E meu colega concorda comigo. E neste ponto foi que me confidenciou a última que lhe aconteceu!
Empolgadamente, em sala de aula, comentava os avanços e retrocessos da Revolução Francesa…. Na dinâmica das explicações interrompido com alguém lhe chamando à porta: deve deixar alguma atividade a ser desenvolvida pelos alunos e dirigir-se à sala da direção.
Claro que já imaginou de que se tratava. E de fato sua impressão se confirmou.
Entrou na sala da direção. Só o secretário da escola. Onde está a equipe da inquisição? pergunta, bem-humorado. Claro que o competentíssimo secretário não entendeu a piada. Mas em seguida entraram os inquisidores: direção escolar, supervisores… “Professor, a respeito do nosso último conselho de classe…”
E assim se passaram longos minutos. Terminou o tempo de uma aula. Já estava quase terminando o tempo de mais uma aula…. “E por último, professor, nem sei como dizer isso, pois fico constrangida. Mas uma mãe nos procurou e disse que sua filha tem faltado às aulas...”
Discreto, como sempre, meu colega não quis saber quem era a tal aluna, pois no tom da fala da diretora, havia uma carga de recriminação. Mesma assim respondeu: “Pois é, professora, são muitos os alunos que andam faltando...principalmente depois da pandemia.”
“Mas essa está faltando por sua causa, segundo nos disse sua mãe”, explica a diretora, ainda com ar de constrangimento. Mesmo acostumado a inúmeras formas de repreensão, meu colega não entendeu o porquê de uma determinada aluna estar faltando por sua causa. Claro que imaginou uma daquelas cenas de acusação de assédio... mas consciente de sua função e postura, sabia que não tinha nada com que se preocupar... as constantes reclamações de pais, de diretores de um monte de alunos sempre foram em relação a notas: “fiz todas as tarefas, mas o professor não me deu...” como se o professor fosse um Papai Noel escolar e que devesse sair por aí dando nota como quem dá presente. Com a diferença de que na lenda do Papai Noel o bom velhinho distribui presentes para os bons meninos e, neste caso, os bons alunos não pedem nota como presente, pois eles as conquistam na raça! Tem nota porque aprenderam o conteúdo, a matéria ministrada ao longo das aulas e, como consequência, tiveram boas notas, sem precisar mendigá-la ao professor.
Mas no transcurso da conversa, agora com todos em clima de constrangimento, menos meu colega, pois tinha consciência da lisura de seu posicionamento. De sua preocupação com o aprendizado... mesmo seus inquisidores defendendo a aprovação sem estudo, sem aprendizado... Nesse transcurso foi que, entre pigarros de hesitação e longos e largos rodeios a diretora, soltou: “Professor, embora a gente discorde de seus métodos, sabemos de sua competência e seriedade. Sabemos de sua preocupação com a aprendizagem de nossos alunos e valorizamos seu trabalho”. E emendou: “Sabe professor, fico sem jeito e constrangida, mas a reclamação diz respeito ao seu estilo de se vestir”.
Claro que meu amigo disse que se veste como qualquer outra pessoa. Apenas que tem aversão ao luxo e ostentação. Por isso usa tênis, calça jeans e, quase sempre, camiseta. Mas a diretora disse que não era esse tipo de roupa. E explicou: “Essa mãe nos disse que sua filha não está vindo à escola porque o senhor não usa cueca...”.