Quebra-cabeça da minha cabeça, coisas tortas, ou: eu sou burro por não saber resolver um cubo 2x2?

É curiosa essa coisa de escrever né? (tirando o óbvio exercício de egoísmo que é falar sobre si) é como falar com as vozes da nossa cabeça, e aí só porque a gente escreve... não, a gente não, não vou sentenciar vocês ao mesmo destino que eu, tadinhos, vocês não merecem isso...

E aí só porque EU escrevo, acho que é menos loucura.

Mas vamos separar as coisas, eu não tô falando de quem escreve água com açúcar de 20 volumes, nem roteiro de telesexo, nem coluna de jornal, nem novela, nem artigo, nem filme de cinema, não. Essas pessoas aí são melhores que eu, são guiadas pela louvável missão de...sei lá, tirar suspiros do jovem, garantir o prazer individual, efêmero e carnal da autosatisfação noturna, falar sobre a alta do dólar, provar um ponto, e todo o resto.

Essas pessoas, por quaisquer que seja motivo que escrevam, ainda tem um, nem que apenas dinheiro. Eu, por outro lado, escrevo porque é só o que eu tenho, é a única coisa que me livra de ser um acaso.

Tenho mania de querer agarrar tarefas maiores que consigo, e depois abandonar, e depois ficar pensando que sou a criaturinha mais miserável e incapaz que já existiu. Queria acabar com isso, tá na hora já, aí enquanto isso me mordia o juízo, eu pensei: Tem que ser algo simples, lógico, um objetivo claro e que vai satisfazer essa necessidade. O fim dos fins, de terminar algo, de marcar na agenda das coisas feitas um checkzinho verde. Aliás, eu não tenho uma agenda, talvez isso seja parte do problema, talvez isso seja O problema: organização.

Ok, foco...

Esse texto aqui, inclusive, eu ia começar falando sobre a minha saga pra assistir o jogo Brasil X Suíça, depois pensei em falar sobre cubos mágicos, e aí lembrei dos meus tempos engessado no hospital, e aí uma música do Tom Zé, mas juro juradinho que as coisas vão se encaixar, se desentortar.

Fiquem com meu eu do passado agora:

Meio dia e nove, faltam 51 minutos pro jogo do Brasil começar, e eu tive a brilhante ideia de vê-lo em outro lugar que não em casa. atrasado, engarrafamento. O tempo e o trânsito não deram uma treguazinha nem hoje. Ele é assim, corre apesar de, não importa se não estamos prontos, se não somos os melhores, temos que ser o melhor praquele momento. Enquanto o tempo passa e o trânsito não, eu digo que

NÃO TEM FUNCIONADO.

Tentei desenhar, rabiscar, não. Ver um filme, não. Estudar, não. Eu passei o último final de semana da forma mais imprestável que tem, inquieto, ansioso, no espiral do doom scrolling... no fundo da cama, no fundo do escuro, pensando na felicidade como aquela do Tom Zé.Ele canta sobre a felicidade como algo que desaba e esmaga, que ninguém se escapa, nem se esconde, que invade você queira ou não, mas o cara é gênio. Felicidade na música era um sorriso obrigado, algo que assusta, a contragosto, forçado.

Felicidade, pra ser de verdade tem que aparecer como quem está de visita, que vem de bom grado, se não é só ansiedade, se não sou só eu tentando montar um cubo mágico 2x2 querendo esmagar o tédio.

Pois eu é, e não era nem um normal, era um 2x2, menorzinho, em teoria mais fácil, EM TEORIA.

"Agora que você já entendeu como o método funciona, se dedique em memorizar as fórmulas e as posições do cubo. Este método é super eficiente e extremamente simples de aprender e ser aplicado, porém, o que mais contará nos seus tempos é a capacidade de reconhecimento dos casos, por isso os treinos são essenciais."

Puta que pariu. Treino? Método? Fórmulas?

Esse tanto de coisa já me cansou, mas aí estava eu em casa, esse objeto me encarando quase como um desafio, pedindo pra ser montado, resolvido, acabado! Pra ser o receptáculo das minhas frustrações, como se, resolvendo isso, eu resolvesse diretamente o quebra-cabeça da minha cabeça.

Me debrucei nessa missão hercúlea, vi vídeos de asiáticos prodígios de 4 anos resolvendo-o em 5s e pensei "porque ninguém deu, sei lá, um canivete, ou vídeo game pra esse moleque? " pesquisei sobre algoritmos de resolução do maldito cubo, descobri que existe uma comunidade absurda de pessoas que só fazem isso, que competem pra saber quem faz mais rapido e que ganham dinheiro... isso mesmo!

E ainda assim, depois de tudo, o objeto parecia me olhar com um deboche tremendo. Não importava pra que lado eu o virasse, ele olhava pra mim ainda com todos os lados errados, aleatórios, com o riso estampado e as cores misturadas.

"não, eu estou ficando maluco"

E foi aí que eu larguei o troço de lado que repousou na bancada, vitorioso. Um troféu do meu fracasso. Pensei como eu era idiota por travar uma batalha contra um algo inanimado.

- Caramba, tu só se fode, hein - Falou o cubo 2X2. Mentira, isso não aconteceu, pedaços de plástico não falam. Mas foi o que eu pensei que ele falaria se pudesse, achei que seria um diálogo engraçado...

Olho pela janela, ainda estou no ônibus, faltam 20 minutos pro jogo começar. "Não vou chegar a tempo nem fudendo"

Tempo. Custou pra passar. Assim foi o meu sábado. No domingo o cubo ainda estava no mesmo lugar, minha cabeça também. Pensei em desmontar, desmontar e recolocar pecinha por pecinha na cor certa, endireitar, desentortar, mas não dava pra fazer isso com a vida, com a ansiedade, com você, não deu nem com as minhas pernas.

Estou deitado, um cara de jaleco e máscara encosta em meus pés, analítico, o cheiro de hospital, as cores do hospital, até a palavra h-o-s-p-i-t-a-l, me dá náusea, sempre deu. Naquele dia eu devo ter sentido uma das maiores dores que já tive (talvez maior até que a dor de você). As vezes eu até sonho com isso.

Eles precisavam que as minhas pernas encaixassem num gesso, retinhas. E elas, por natureza, sempre foram como galhos meio tortos, enviesados, finos. Fizeram isso na mão, na força, sem anestesia. Eu não olhei pra cena, enquanto doía e algo acontecia da minha cintura pra baixo (não tenho memória sensorial nenhuma sobre como foi, se era quente, gelado, áspero... nada. Tudo apagou, Só lembro que doeu) minha cabeça estava virada pra mãe e meu padrasto. Eu não lembro se eu gritei ou se chorei. Hoje parece que esse barulho, esse grito, foi mais mental que outra coisa, um ruído. Ao fim, minhas pernas estavam retas e envoltas em gesso, pareciam dois pesados blocos, uma armadura, uma casca.

Casca, sempre é difícil mantê-las . Um sorriso imóvel, um paliativo, uma agonia. Aquilo, o gesso, coçava e me fazia ficar parado por longas horas, deitado no mesmo lugar. Hoje ainda tô assim, só que pelos motivos errados. Matando bichos ontem com pedras que jogo hoje.

Parado, deitado

Mas em queda livre

Ainda no hospital, logo depois da cirurgia, eu dividi quarto com um menino, devia ter mais ou menos a minha idade. Braço engessado, caiu de uma árvore. Certa vez vi o pai dele, que falou em tom meio de quem brinca meio de quem reprova a traquinagem do filho: "tá vendo aí ó, foi subir num pé de manga, agora tá aí com o braço quebrado. Duas partes" Lembro que achei graça só pra mim, sem transparecer, pensando que eu devia ter subido, desde que nasci, no maior pé de manga da história.

E caído de lá

Caído bem alto.