PROTESTOS GOLPISTAS
PROTESTOS GOLPISTAS
Nelson Marzullo Tangerini
Li, em algum lugar do Face, o relato de um homem que tentou, quase em vão, passar com seu carro bem no meio de uma manifestação golpista – leia-se: contrária à eleição do segundo turno, que resultou na vitória de Luís Inácio Lula da Silva -, quando levava seu querido pai, idoso e bastante debilitado, para uma clínica onde faria exames de rotina, relacionados ao Mal de Alzheimer.
Os manifestantes, enfurecidos, os xingavam com palavrões e davam socos e pontapés em seu carro, enquanto seu velho pai, assustado, assistia àquela cena grotesca: um misto de idolatria e fundamentalismo cego e obtuso. Ali reinava o ódio a todos que estivessem fora do cercadinho verde e amarelo bolsonarista. Ali, portanto, a palavra de ordem era “Intervenção militar”, a “Volta do AI 5”, “Somos cristãos!” e a tentativa de ressuscitar Ustra, um temido torturador da ditadura militar.
Essa fúria frenética e essa violência desmedida serão derrotados pela ciência e pela cultura do amor e da paz? É o que todos, em estado de choque, desejamos e sonhamos. Porque esta onda de desequilíbrio mental parece não ter fim.
Viajava de Uber, um dia desses, para o Centro da cidade, quando, em meio a um colóquio informal, o motorista, cristão, defendia o capitão com unhas e dentes. Digamos: com unhas e dentes afiados.
Raivoso, como todo bom bolsominion, afirmava, sem provas, que houve fraude no 2º turno, que o sr. Guedes fora o melhor Ministro da Economia que o Brasil já teve, que nunca houve queimadas e desmatamento e que, nas universidades, os alunos e professores fumavam maconha. Ele teria recebido, pelo zap, um vídeo – fakenews – sobre o assunto.
Perguntei-lhe, então, o que tinha a me dizer sobre os 39 kg de cocaína encontrados no avião da FAB, sobre o rombo dado pelo pastor no Ministro da Educação, sobre os 51 imóveis comprados pela família do presidente com dinheiro vivo, sobre a mansão de 6 milhões de Flávio Bolsonaro, sobre as rachadinhas e sobre o superfaturamento na compra de vacinas, sobre o ministro do Meio-Ambiente que queria ver a boiada passar em meio à pandemia e que viria a fechar os olhos para a ação criminosa de madeireiros e garimpeiros. Além disso, esteve envolvido em venda ilegal de madeira da Amazônia para o exterior.
Nervoso, ele não sabia como explicar tudo o que lhe perguntei, e dizia não saber em que jornal ou televisão essas notícias foram veiculadas. “- Quais as fontes?”, perguntava ele. Escorregou e se entregou: “Não leio jornais”, “não assisto aos telejornais”, "só assisto à Record”. Enfim, o “jejum de notícias”, promovido dentro de igrejas e quarteis resultaram nesse total lodaçal de alienação em que nos mergulharam.
Perguntei-lhe, ainda, se era formado em alguma universidade e se saiu de lá com um diploma. E ele me disse que não. Percebi, desde então, que o desinformado cidadão era, na verdade, um ressentido, um invejoso, por não ter gasto seu tutano nas salas de aula de uma universidade. Daí o seu ódio aos professores e demais intelectuais.
O pesadelo parece não ter fim: em Aracruz, cidade do Estado do Espírito Santo, o filho de um policial bolsonarista entra atirando numa escola e, depois, parte para outra, onde, ao todo, fez quatro vítimas fatais. O que se sabe, até agora, é que ele tinha armas disponíveis, em sua casa, que tinha uma tatuagem com uma suástica em um dos braços e que, no aconchego de seu lar sombrio, foi encontrado farto material nazista. Nas redes sociais, segundo informações, o jovem teria postado fotos dele com o pai, policial e bolsonarista, em manifestações golpistas em que pediam “anulação da eleição”, “Intervenção militar”, “Golpe de estado” e a volta do famigerado “AI 5”, que fez com que os torturadores tirassem livremente inúmeras vidas humanas. Nessas manifestações, ambos teriam vestido camisas verde-amarelas e desfraldado bandeiras do Brasil.
Até o momento, o presidente foi incapaz de se pronunciar sobre o episódio do ES. Tampouco enviou mensagem para as famílias enlutadas. Em vez de ir a Aracruz, para levar sua solidariedade a essas famílias, preferiu estar presente numa cerimônia militar. Como sói acontecer até aqui. Enfim é o jeito Bolsonaro de ser.
Quanto ao motorista do UBER, resolvi fechar a minha boca, diante de tanta agressividade e falta de informação, resultado, repito, do “jejum de notícias” a que foram submetidos, durante 4 anos, e resolvi ignorá-lo, ignorando aquele discurso fascista, olhando apenas para o movimento das ruas; era bem melhor e lucrativo, buscar inspiração naquela doce e musical algaravia da cidade.
Faltava perguntar-lhe porque era motorista de aplicativo. Mas estaria ofendendo muitos outros motoristas que, levando-me de minha casa para o trabalho, demonstram conhecer a nossa história, a ponto de reconhecer que o capitão, longe de ser “O Messias prometido”, não passa de um genocida frio e mau.