FARSANTES
A vida se encarrega de nos fazer farsantes, moleques e feitores. Vai preparar todos sustos, emboscadas e efeitos especiais. Se propõe a nos esgarçar, refastelar e remendar. Vai esculpir todos chãos indigestos, inaptos e insossos. Se ocupará de nos engabelar, acuar e ruir. Ficará ao seu ofício nos tilintar, chicotear e reluzir. Terá plena responsabilidade nos amparar, medicar e doutrinar. Também lhe caberá as nossas alforrias, festanças e trovoadas. Será do seu feitio nossos encantos, gozos e toadas. Só a vida armará cada derrapada, derrocada e motim. À vida se darão os créditos dos remendos, desafinos e ressabiados desejos. A vida será o grão-reitor das ferrugens, recuos e paixões. É ela que rege cada descaminho, cada flor amarga, cada suor incauto. Somos meros coadjuvantes nesses palcos avessos que nos impõem. Somos anônimos arbustos nas travessuras dos nossos corações, esmorecendo calidamente feito fantoches amordaçados. Somos detalhes no olhar assustado de cada desventura que a nós servem, a nós seduzem e a nós respingam. E, quem sabe, a nós abençoam. se assim bem quisermos, assim bem merecermos e assim bem respeitarmos.