EPIDERME
Hoje em que a realidade cai, tal qual uma folha verde soprada pelos ventos, noto a paisagem resplandecente e pacífica como sempre aparenta estar. Observo a árvore repleta de galhos e flores – uma simples folha certamente não faz diferença dentre as centenas ou milhares que ela carrega. A maioria das pessoas afirmaria isso se olhasse e enxergasse ao menos um fragmento da árvore. Sim, porque há quem passe pela vida sem se dar conta de que caminhou por sua imensidão, não se atenta à frescura da brisa nem percebe que respira.
Fixo o meu olhar naquela folha verde varrida por várias direções. Penso, com o meu coração de poeta, se ela ainda estará viva, se pode sentir a violência do pé que acaba de esmagá-la. Por que ela se desprendeu da árvore? Por que ela não pode reinstalar-se no galho em que vivia? E os meus questionamentos ecoam de mim para mim sem encontrar respostas capazes de saciar a minha sede de conhecer os mecanismos de tudo o quanto há no mesmo universo no qual existo sem lembrar ou compreender por quê. O mistério da vida talvez não resida nas respostas que, temerosos, aguardamos, mas nas perguntas que, hesitantes, evitamos formular.
Então reflito – e se eu fosse a árvore? E se uma folha se desprendesse de um dos vários galhos que compõe meu ser, isso doeria? Como quando alguém não acena de volta nem retribui o sorriso que eu o enviei; do mesmo modo quando uma palavra não surte o efeito por mim esperado; de maneira similar àquelas vezes em que os sonhos concretizados não correspondem ao que pareciam ser quando habitavam apenas os campos das minhas fantasias: dolorosas frustrações que derrubam minhas expectativas, independente de quantas aspirações brotam de mim ao mesmo tempo e ao longo da vida. É sempre penoso sentir que algo importante escapou por entre os dedos, ainda que isso pareça tolo às testemunhas que se julgam atentas. Entender que é preciso deixar partir aquilo que não nos serve mais, machuca e algumas vezes gera profundas cicatrizes.
A folha caída nunca retornará. E outras mais cairão. Novas brotarão no tempo exato. A vida é cíclica fora e dentro de nós. Tudo se transforma mesmo quando estamos desatentos: sob as minhas digitais cabe a enormidade de uma árvore que não vi morrer. Sobre ela, ironicamente, imortalizo em frases a árvore vivente em meu jardim. Há uma assustadora mágoa nesta reflexão. (Entretanto penso que a folha pautada também está repleta de vida. Um pensamento conveniente a quem se sente inferior perante a sabedoria da natureza.) De alguma forma, mesmo sendo humana, também talharam palavras em mim. Algumas viraram casca de ferida e o tempo quase apagou. Outras são profundas, porém, visíveis apenas a quem me olhar e enxergar-me além da epiderme.