Cortinas de vidro
Você já se viu por fora do seu mundo tentando ver o que os outros enxergam de ti? Foi numa manhã de dia comum, tão terrivel e sóbrio comum...
Olhei para a cortina que não só tentava esconder a claridade do dia já dia, mas também abafar o som da cidade já barulhenta. Mas outras camadas ainda me protegiam. Foi quando pensei: “o que existe entro dessa casa? Quem mora ali?”
Abri mais uma parte da janela, e ainda havia um tom escuro. E finalmente abri a parte de vidro...me descortinei.
De fora agora vejo um sobrado sem saber quantas casas eram. Duas janelas me confundem. Uma janela quase sempre fechada para o mundo. O medo do que pode entrar ou do que pode sair os atormentam. A outra janela quase sempre aberta me acende a esperança de que algo quer ser visto.
Vejo um filtro dos sonhos e uma mulher que de tempos em tempos se deixa ver. Todos os sábados ela limpa de forma rápida e obrigatória as grades da janela. No mesmo dia da semana a janela que sempre se mantem fechada se abre, e parte de uma cortina de tecido escuro é jogada sobre ela. Dia de faxina, penso eu.
Dias após notei uma delicada mudança. Duas pequenas plantas jardineiras timidamente enfeitavam a janela aberta. Há vida nesta casa. E passei a notar que todos os dias mãos retiravam as jardineiras logo que o sol forte começava a lhes esquentar as folhagens, e à noite as mesmas mãos as traziam de volta.
Passado meses minha mente conseguiu ver todos os cômodos daquele lar. Sentia o cheiro quente da comida caseira e o perfume fresco das roupas limpas penduradas no varal. Vida comum também seduz a gente.
É como poder se recriar. Viver a vida que alguém vive sem se importar com sentimentos íntimos. Experimentar o que nunca senti tem gosto de idade nova. Saia da janela! Você agora sabe viver.