ATRAVESSANDO PONTES

Com a Cris Pizzimenti digo que: “sou feita de retalhos... pedacinhos coloridos de cada vida que passou pela minha vida e que vou costurando na minha alma”. Como pessoa cristã, tenho procurado ser sensata, embora, às vezes, a humanidade me roube à paciência para lidar com certas situações, mas peço perdão, “pois não sou perfeita, ainda estou sendo feita e por ter muitos defeitos vivo em constante construção”, nos lembra padre Fábio de Melo em uma de suas canções. Estaremos prontos e finalizados algum dia? Claro que não, mas o aprendizado e a construção do ser pessoa é o que nos movem dia a dia!

Permitam-me falar um pouco de mim. Como filha mais velha de uma família numerosa, cedo comecei a trabalhar, experimentando os gostos, cheiros e sabores da cozinha de minha mãe, a quem agradeço por todo o aprendizado. Aos doze anos, eu me tornava uma coadjuvante nas tarefas de dona de casa, e, às vezes, ajudava ao meu pai nas tarefas de sua oficina. Por conta disso, adolescência eu não tive, por isso, não experimentei as tais crises “arborescentes”. Momentos de prazer, lazer e alegria nesse período, foram poucos... Um deles, era correr para a estação de trem que ficava por detrás de casa, na minha pequena Missão Velha/Ce, nos finais de tarde. De longe, se ouvia o resfolegado dos seus trilhos que enchiam de expectativa às mocinhas que para lá corriam, na tentativa de um breve flerte com os rapazes que por lá passavam...

Lembranças singelas, mas eternas! A vida, todavia, não me deixou parada naquela estação. Cedo ela obrigou-me a trilhar caminhos não pensados, nem escolhidos. Muitos eu não segui por vontade própria, algumas travessias, contudo, conduziram-me para onde estou e sou. Destino? Talvez! Hoje, estamos aqui para celebrar o meu natalício e a minha união matrimonial: mais um ano! Celebrar o passado não faz mal, porque temos o presente e eu quero festejar com vocês este agora. Para isso, os reúno aqui, quero a todos como uma única e grande família!

Aniversariar associa-se com a luz e o fogo, porque representa renascimento. Por isso, nessas festas, é comum se apagar velas, posto que sua chama representa a vida. Ao apagar a vela de aniversário, simbolicamente, apaga-se o ano que passou, marcando um recomeço. Acenderemos velas? Não! Apesar de simbolizarem, também, a luz de Cristo ressuscitado, não duram para sempre, e, viram cinzas, lembrando resto, finitude e morte, inclusive, de alguns desejos...

Mas, “que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais...” Sim, saudades da minha meninice. Além da liberdade que eu experimentava, correndo e brincando sem limites nos terreiros barreirais, eu ansiava ser bailarina e viajar... Costumava imaginar um muro e, para além dele, um mundo a ser explorado. As viagens até fiz algumas, bem prazerosas, mas a dança, embora eu goste de experimentar alguns passos, restou-me dançar com as palavras com as quais me dou muito bem, quando escrevo, embora elas sejam indisciplinadas. Com Drummond, eu digo: “lutar com a palavra é a luta mais vã, entanto lutamos, mal rompe a manhã...,” por que elas são tantas e eu tão pouca?

Com estas palavras, e, neste lugar com o qual não sonhei estar expresso a minha alegria e imensa felicidade, pois reúno meu esposo, companheiro de quarenta e alguns anos, meus filhos amados, meus irmãos, os genros, cunhados e amigos...estes, irmãos especiais. Vocês todos são muito amados e com muito zelo, representam presentes divinos em minha vida! Obrigada! Agradecer para mim é como orar. Então, nesta prece de hoje agradeço a Deus que me proporcionou construir uma família, ter uma profissão quando me fez atravessar as tantas pontes...a primeira delas, quando vim para o Maranhão (Pedreiras), depois para São Luís, e, daqui para Belém, onde fiz a graduação em Letras na UFPA. Estudar, para mim, sempre foi mais que imperativo, por isso, os cursos de mestrado e doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Confesso que em 2010, não fosse o ombro amigo de alguns, eu não teria conseguido aprovar o meu projeto doc., pois eu perdera a árvore na qual me fiz fruto – a minha mãe. Nesse mesmo ano, porém, Deus me presenteava com a chegada do meu neto Filipe para secar as minhas lágrimas. Eu não sou chegada a melancolias, razão disso, talvez, esteja na minha infância, idade em que não se precisa de muito para ser feliz e eu fui!

Na fazenda do meu vô Mariano (de quem tenho muitas e ternas saudades) na companhia das muitas crianças, eu subia nas árvores, montava nos cavalos, tomava banho nos açudes, me lambuzava de mel, durante a festa da moagem e da rapadura. Das travessuras que me custaram bons carões e puxões de orelha do vovô, me esconder dentro dos caixotes de farinha, sem pressa de viver, era uma delas... Ali eu ficava quietinha para não ser descoberta! Essas delícias, hoje, são roubadas das nossas crianças. Foi lá, no Barreiro Grande, que se construiu em mim a criança que ainda sou, quando brinco no chão com os meus netos, eles sabem disso!

Esse período, certamente seria o suporte para o que viria a seguir: mudança para a cidade e, com ela, anos de pobreza e de muito trabalho, junto ao fogão de lenha que me permitia contemplar, em alguns instantes, os gemidos dos paus de lenha que se transformavam em brasa, aquecendo aquele espaço e a minha alma. Assim, fiquei mocinha, auxiliando mamãe nos afazeres domésticos e na educação dos meus irmãos. Outras vezes, ajudava nos serões familiares, quando papai, no seu ofício de marceneiro, precisava contar com a mão de obra nos detalhes e acabamentos finais de encomendas urgentes.

Estas, no entanto, não são memórias tristes, pelo contrário, ajudaram-me a seguir confiando que valia a pena lutar por dias melhores, quando as dificuldades ameaçavam quedar-me. Esses momentos eu os viveria novamente e sem arrependimento algum. Há outras memórias que carinhosamente carrego e alimentam minha alma, a exemplo, os sons melodiosos ouvidos no alpendre da Casa Grande nas noites de lua. Incrível, como aquele violão tocado por meu, ainda toca fundo em mim. Foi dele, do meu pai, que eu herdei a fé, a prática de leitura dos Evangelhos e a oração do terço – alimentos para o meu espírito.

Medos, eu nunca os tive, nem mesmo da morte que ronda a todos nós. Sei que Deus é o Senhor das nossas vidas e a Ele pertence escolher a minha hora final. Mas, chega! Não vou cansá-los com mais palavras, encerro, pois, com outros versos de Cris Pizzimenti: “que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos. Que eles possam, também, ser parte das suas histórias de vida. E que assim, de retalho, em retalho, possamos nos tornar um dia, um imenso bordado de nós”. Obrigada!

Camila Nascimento.

São Luís, 26 de janeiro de 2017.