CRÔNICA PARA O MEU CORAÇÃO
Neste início de maio em que se comemora o mês de Maria, mês das mães e mês das noivas decidi transformar maio em uma data especial também para mim: a partir de agora, este mês também será dedicado aos cuidados com o meu coração. Tal atitude foi tomada atendendo às orientações do meu médico, segundo o qual, eu atingi um patamar na vida, onde se faz necessário realizar um Raio X do coração periodicamente.
Sugestão feita e prontamente aceita, já que sou reconhecida pelo meu alto nível de obediência e, em se tratando do coração é necessário redobrar os cuidados. Desse modo, fui realizar todos os exames solicitados pelo cardiologista e pude, pela primeira vez, visualizar como é o meu coração.
Diferentemente daquilo que eu imaginava, tive uma grande decepção ao perceber que meu coração não apresenta aquele formato que nos acostumamos a ver nos cartões dedicados ao Dia dos Namorados. Meu coração, assim como os demais apresenta um formato pouco romântico, como podemos observar nos livros de anatomia e que não passa de um músculo pulsante.
Confesso que esperava um exame mais rebuscado e demorado. Afinal, o coração é uma terra inexplorada, cercada de mistério e de muitas histórias mirabolantes. Examinar o coração, porém, não guarda grande diferença de examinar os olhos, por exemplo. Tudo muito simples e um pouco desconfortável, já que o médico pressiona um instrumento contra o nosso peito, que mesmo deslizando sobre o gel, em alguns momentos se torna bastante desagradável.
Enquanto o médico fazia anotações em uma caderneta, eu apreciava meu coração batendo em uma enorme tela estrategicamente colocada diante de mim. Vi meu coração em preto e branco e também pude ouvir o som que ele faz enquanto pulsa. O som e o pulsar da minha vida.
Para o médico, o meu coração é normal. Pulsa normal. Está completamente normal. Ele, devo crer, viu meu coração com olhos de um profissional. Eu vi meu coração de outra forma e assim percebi que ele é grande, cheio de amor e de muitos outros sentimentos bons. Não percebi no seu interior, qualquer resquício de mágoa, rancor, ódio, ressentimento ou qualquer outro sentimento que possa magoar ou fazer sofrer um coração.
Percebi ainda, que o meu coração apresenta, de forma muito clara e nítida, uma grande quantidade de arranhões, hematomas e cicatrizes, representando as dores, agruras, aflições, desgostos, amarguras e dissabores vividos por esta vida afora e que me transformaram na pessoa que sou.
Posso dizer que as cicatrizes apresentadas pelo meu coração são a prova de que vivi várias emoções com muita intensidade. Percebi que entre estas emoções, duas se destacaram diante dos meus olhos: o dia do nascimento da minha sobrinha e o dia da minha formatura em Filosofia.
Outras marcas lembram os amores que vivi. Aqueles que me maltrataram, que são dolorosos demais relembrar e que me fizeram morrer muito lentamente, curiosamente o registro está lá. Algumas das cicatrizes estão pintadas em cores vivas que lembram as obras de Romero Brito. Outras não passam de simples riscos; pequenos filetes cujas histórias devem ter sido sem grande importância, porque não lembro.
Ao vislumbrar as marcas do meu coração pensei que, assim como Paulo Leminski, eu também posso afirmar que “do amor, conheço todos os sintomas e hematomas”. E meu coração não me deixa mentir. Ele registrou tudo.
Apesar de tudo o que já sofreu, o médico afirmou que meu coração está em excelente estado; forte como um coração de adolescente e pronto para bater ainda por muito tempo.
Depois de ouvir as palavras do médico, eu lembrei de Sartre, meu filósofo preferido que faz a seguinte afirmação: “O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós”. Agora tenho certeza de que estou fazendo muito bem com aquilo que me fizeram.