"Bonitinha, mas ordinária"


Deve ter sido numa dessas dobras do eterno retorno do mesmo — genial intuição nietzschiana — que o deus grego Hefesto, ferreiro de profissão, plagiou descaradamente o nosso Nelson Rodrigues.

Casado com ninguém menos que Afrodite, a deusa do amor, esta aplicava-lhe sem piedade belos chifres de bronze, ao receber no leito conjugal o deus Ares, que estava sempre na forja divina tratando de questões relativas ao material bélico do Olimpo. Avisado por Hélio, que tinha um olho flamejante para essas coisas, Hefesto não brincou em serviço. Pretextou certa noite um compromisso urgente fora de casa, escondeu-se atrás de um caldeirão e viu confirmadas todas as suas suspeitas. Deu um flagrante de adultério nos dois e prendeu-os numa rede inviolável.

Convocou então todos os deuses do Olimpo para uma assembléia de desagravo no próprio local do crime, expondo Ares e Afrodite ao ridículo, presos à cama, sob o impassível olhar de seus iguais.

Hefesto coxeava pelo quarto, bufando de ciúme e indignação, resolvido a devolver a ingrata ao seu pai, Zeus, além de ameaçar o rival, deus da guerra, com o corte no fornecimento de armas, uma zona.

E para deixar bem claro que nunca mais sucumbiria aos artifícios de sedução de Afrodite, disse na cara do sogro: "Leve para sua casa essa lambisgóia. Ela pode ser bela, mas não tem vergonha."


[5.12.2007]