As árvores de natal da minha mãe

Éramos pobres. Somos até hoje, mas hoje somos classe média, servidores públicos concursados. Mas na infância, éramos pobres. Minha mãe, coitada, sofreu tanto na vida que venceu na raça, pra provar que o mundo não é justo, mas que se pode fazer justiça. Ela teve uma infância pobre, começou a trabalhar como faxineira nas casas dos veranistas que vinham a Marataízes. Quase morreu de queimadura aos 4 anos. Não gostava de estudar e vivia entre os meninos.

Se casou com um negrinho banguela. Meu pai sofreu um acidente na adolescência e perdeu todos os dentes. Ela casou mesmo assim. Construíram uma vida, eu nasci e tinha árvores de natal bonitas lá em casa, até os 4 anos de idade. Então, em maio do ano seguinte meu pai sofreu um acidente (outro), ficou paraplégico, minha mãe descobriu que estava grávida de gêmeos e nossa vida virou de ponta a cabeça, e nossas árvores de natal também.

Mamãe sempre amou o natal. Não sei o que essa data tem que encanta tanto ela. Eu nunca gostei muito. Mas ela amava. Depois que meus irmãos nasceram não tivemos mais árvores de natal normais lá em casa. Mas mamãe comprava toalhas, potes, planos de prato de natal. Árvores ela improvisava. Pegava umas árvores antigas e colocava uns enfeites que ela via em revistas ou na televisão. Tínhamos árvore normal na casa da minha avó. Lá tinha árvore, bolas, pisca-pisca.

Lá em casa eram as árvores de mamãe. Um ano ela pegou um galho seco, forrou com algodão e pendurou umas bolas. Ora bolas, era a neve! Outro ano ela encheu as folhas verdes da árvore Velha de algodão de novo (mais neve!). Esse ano ela fez uma árvore de crochê. Com olhos, nariz e boca. Ela juntava garrafas de cerveja (não bebemos) e enfeitava com linha, tecidos e bolas. E decorava a casa.

As toalhas e panos de prato eram usadas o ano todo, de janeiro a janeiro. Mas todo mês de dezembro ela comprava mais. Nunca fizemos uma ceia. Tínhamos festa de aniversário. Sim, os gêmeos nasceram na véspera do natal. As vezes ela passava o natal longe, no hospital (ela é enfermeira). As vezes eu passava o natal com meus avós, as vezes sozinha, as vezes passamos nós 5.

Eu nunca gostei muito de natal, acho que por causa das árvores da minha mãe. Mas, sem as árvores dela, meus natais seriam iguais aos das outras crianças. Natais normais, com árvores normais, numa família normal. Não éramos normais, não somos normais. Minha família é única e peculiar como as árvores de natal da minha mãe.

Laryssa Machado
Enviado por Laryssa Machado em 27/11/2022
Código do texto: T7659301
Classificação de conteúdo: seguro