Mulheres Pensantes na balada dos amores

Ainda criança sonhava com duas meninas. Eu sentada na cama trançava os cabelos de uma e depois da outra. Era um prazer fazer isso. Eram minhas filhas. O pai eu não sabia quem era. Nem pensava que elas precisariam de um. Parece-me que eu pensava que era desnecessário porque eu nunca pensava no pai, só intuía minhas meninas. Eu não sonhava entrar na igreja vestida de noiva, de ser pedida em casamento... nada disso, apenas me via penteando as menininhas.

Quando iniciei na escola conheci um menino que entrou no meu pensamento. Por causa dele virei mocinha. Varria casa sem mamãe mandar, lavava cadeiras e cuidava de tudo para que, quando ele ouvisse falar de mim ficasse feliz. Ele jamais soube de mim e nem mais ninguém soube desse assunto. Ele contribuiu muito para me tornar uma boa dona de casa aos sete anos de idade. Vivi sonhando com o nosso encontro até conhecer outro menino mais bonito ainda.

Esse novo menino percebeu que algo nele me atraía, mas nunca deixei ele descobrir o que era. Nem eu sabia. Na adolescência esse menino tentou se aproximar de mim, mas vi ele se aproximar de tantas outras e beijar tantas outras que o despistei. Não era um menino assim que iria mudar minhas convicções. Me mantive firme. Uma coleguinha somente soube dessa minha queda pelo Don Juan. Porém, Don Juan não pode se certificar porque eu não permiti assim.

Novo tempo, ainda sonhando triste com esse coleguinha pegador e pegado pela maioria que o quisesse. Ele era sempre fácil e descartável. Agora, estou numa turma de sexto ano com uns quarenta coleguinhas. Um deles todo dia esquecia um objeto escolar. Uma hora um lápis, outra hora era uma borracha. Ele só pegava comigo esses materiais e passou a ocupar uma carteira próxima a minha. Eu já era acostumada a servir sem pedir nada em troca, então já levava um lápis, uma caneta e uma borracha a mais para emprestar para ele.

Um certo dia o coleguinha foi se acomodar bem longe de mim. Estranhei, embora não liguei. Achei normal. Ele não veio mais pegar meus materiais emprestados. Passou-se alguns dias, e na hora da troca de professores, uma colega vai lá na frente da turma e rasga essa:

__ Gente, ele está apaixonado por ela ali, ó.

Falou nossos nomes. Entrei em pânico! Mudei de cor. Nunca tinha sido alvo de nada semelhante. Ele rapidamente e tranquilamente falou:

__ Eu não gosto mais dela. É uma boba!

Eu pensei: “ Graças a Deus!” Não queria isso pra mim assim. O tempo foi passando e eu tive tempo de prestar mais atenção nele. Ele era bonito, pois eu só gostava de menino bonito. Só gostava. Eles nem precisavam saber.

Outro dia a mesma colega informou para a classe:

__ Ele agora está entre duas meninas.

Que bom para ele que era bem enturmado, boa praça. Eu não pensava em namoro. Queria estudar. Ficar madura e depois iria pensar num pai para minhas meninas que eu iria trançar os cabelos delicadamente, amorosamente e contemplar com alegria esse ato de mãe.

Enquanto o menino ficou pegando meus materiais emprestados, minha nota em matemática subiu. Foram dois bimestres de nota alta mesmo. Quando ele saiu para longe, a nota caiu. A professora também não entendeu. Pensou que eu colava as provas. Esse menino ficou no meu pensamento mais tempo que o primeiro. Arrisco a dizer que ele está aqui ainda. O namoro não aconteceu. Eu estava predestinada a algo que eu desconhecia.

Me aborrecia muito ver as mulheres repetindo a mesma história. De meninas magrinhas e bonitas que se casavam, a maioria se transformava em mulheres redondinhas, cheinhas no corpo e no colo. Uma vez mãe, para sempre mãe. Eternas mães, às vezes esquecidas e mau tratadas pelo pai dos seus filhos. E, inclusive alguns continuavam pegando uma aqui e outra ali. Dez por cento talvez registravam o contrário. Segui assim. Fui pedida em casamento, recusei uns três que choraram muito por mim. Não me arrependi. Eram moços bons, mas o namorado da minha mãe, da minha tia, das amigas dela, da minha avó também eram moços bons. Muitos já se foram e sempre foram bons homens para a sociedade dos homens, para a sociedade de mulheres como eu, eles foram uma negação para sua esposa e filhos no quesito respeito e lealdade com a mãe de seus filhos.

Eu nunca disse isso a pretendente nenhum, nem sabia dizer. Eu só sabia que nasci para impor respeito e aceitação pelo que sou como ser humano, como mulher pensante, jamais como escrava de homem, como objeto de compra e venda que eles comercializam de maneira mecânica e sem dor na consciência.

Quando consegui serviço fixo, casei-me, achando que seria fácil descasar-me. Tive as duas menininhas. Descobri aí que eu já estava em vias de repetir no casamento, aquilo que me causava repúdio no comportamento de alguns homens. Fui me corrigindo e fazendo cobranças também. Esse casamento ainda continua em pé. Nas duas menininhas fiz poucas tranças porque meu trabalho sempre me exigiu tempo e disposição dobrada. Elas hoje são duas médicas e eu me sinto realizada nelas e por elas. A caçula saiu a mim. Descobri também que um bom pai é essencial, veja bem” um bom pai”. Sem ele minhas filhas não chegariam a realizar o sonho profissional da vida delas.

Lindalva
Enviado por Lindalva em 27/11/2022
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