CORRENTEZAS DÓCEIS
Querer e fazer isso bem exige alma de poeta e coração de barata.
Alma de poeta se refere a ter sangue nômade e desapego ao chão
e às vicissitudes que tanto nos tentam e encantam até não poder mais.
Já coração de barata traduz um jeito frio de ser e tocar a vida,
algo como pilotar o barco de olhos vendados, com o nariz tapado
e ouvidos entulhados de cera.
Querer e fazer isso bem não é tarefa pra amadores e nem, tampouco,
de incautas criaturas. É coisa séria, de lida dura, de feitor atento e
rigor extremo.
Mas, por certo, evoca ares perfumados e lindamente cerzidos.
E, de verdade, ainda deixa Deus com jeito de moleque, só aprontando das suas.
Deixa, também, o vento manso e as correntezas dóceis e libertinas.
Querer e fazer isso bem perfuma o suor como nunca se fez antes,
nos purifica de cabo a rabo e, sobretudo, é gostoso à beça.
O resto, todo resto, pode fazer suas malas e partir de vez,
pois não terá serventia pra absolutamente mais nada.