UM HOMEM E SEUS SOMBREIROS
Em uma tarde agitada em que o sol fazia arder o asfalto eu o vi . Distinto em suas ações , modesto em seus trajes , e com suas mãos grandes colocava pela porta de trás do ônibus sombreiros coloridos , os que podia carregar , de bocado em bocado .
As minhas filhas curiosas logo observaram , o motorista quis dar a partida e eu avisei ... Ainda tem alguém subindo . Ele apenas agradeceu com um sorriso e aceno de cabeça por baixo do seu boné .
Aquela visão nunca me deixou a memória ...Era um homem , um homem que muito tinha vivido , que muito tinha amado , já fora criança , adolescente , jovem , adulto , e agora no crepúsculo da vida vendia também seus sombreiros.
O tempo passa , a vida muda e eu na tentativa de compreender e aceitar o inaceitável , busco explicações de fatos que não concordo em templos que remontam os séculos da passagem humana pela Terra . E enquanto eu na minha busca incessante ia tão esperançosa buscar minhas realizações , avisto o homem ... Aquele homem
Que grande alegria ! Que maravilha o rever ali de uniforme , de capa , de armas iniciáticas , com as mãos erguidas a pedir a Deus pelos desatinos dos homens e feridas da alma .
Acompanhei com o olhar, atenta , todo o trabalho e quando ele saiu , eu saí atrás e dizendo ... Moço , moço eu quero comprar sombrinhas ... Ele para olha para mim surpreso e responde , o inverno já acabou senhora ... Mas eu quero já comprar para o próximo , falo eu arfando de ansiedade .
Ele falou , sim , sim , posso ver se tenho ... E eu falo , por favor traga , eu preciso de três , e ele fala , vou olhar se ainda tenho ... E segue .
Todos os anos eu compro suas sombrinhas , leio seus poemas , observo seus trabalhos e me inspiro em sua dignidade e nobreza de espírito , curvado pelo tempo implacável , ergue as mãos para o céu e pede em oração pela proteção de quem nunca viu.
Uma alma livre aprisionada na carne , uma vida única residindo em tão humilde invólucro de células que pesam com os anos.
A nobreza de um espírito que enfrentou o tempo , correu veloz com o vento , e atravessa impactando as gerações como o artista , o poeta ,o sonhador , o mestre que cumpre sua função social vendendo coloridos sombreiros , e sendo o exemplo vivo da pratica do bem .
Thércia Lucena G . Maranhão
Dedicado ao meu amigo Hermano Roldão , autor do livro NACOS
03/05 /2022