A violência pode vir da gente
No beco, Dna. Terezinha engoma roupas e perto dela está eu, um menino, ambos olhando a passagem de Negão rumo ao pronto-socorro. Está ferido de faca, com um pano amarrado em volta da barriga, e caminha amparado pelos ombros por dois outros homens. De repente, de trás de mim sai Quartotinha, o algoz, disposto a terminar o que começara. Desfere outro golpe antes de ser afastado da vítima pelos colegas que ajudavam e agora recorrem a toras de madeira. Negão então se rende ao que lhe parece destino, recusa-se a continuar e deita no chão de areia sujo da favela. Permaneço próximo e dali ouço seu último respirar. Fico sabendo depois que, numa discussão de botequim, o grandão dera um tapa no rosto de Quartotinha, que correu a se armar. Também que este, já preso, tirou em cela outra vida por causa de um pedaço de sabão.
Não precisava fazer isso, não justifica, é o que qualquer um diria. E é verdade, só nos atentemos a não cair na hipocrisia caso esse tapa seja em nosso rosto, independentemente das razões por que aconteça. Se esse cara gostava de matar, por que não fez comigo, ignorante da sua presença ali, ou com Dna. Terezinha, duas presas fáceis. Não, seu negócio não era conosco, ele tinha um objetivo: quebrar de vez o orgulho de quem despertou tanta fúria em seu coração. E é onde quero chegar, que a agressão do Negão não se justificava tanto quanto a sua execução; porque não se deve mexer com quem não se conhece e que só conhecemos alguém até o conhecer de verdade.
Se não podemos mudar o mundo, mudemos a nós mesmos. Cuidemos da própria natureza, controlando sentimentos que impelem à arrogância e não manifestando felicidade debochando da infelicidade alheia. Alguém pode chegar ao limite de outro só confiando em força física ou de posição, sua, de familiar ou de amigos, valendo-se de uma sensação de segurança que pode se revelar falsa. Quem bate esquece, diz o ditado, e ninguém deseja outro atentando contra a sua vida, só a sua, por causa de algo que fez e talvez nem lembre. Não espere o homem que o marido de sua amante dará desconto se a ele for citado o quinto mandamento da lei de Deus. Respeito é bom e devemos prezar, não só pelo nosso, pois há quem cobre muito caro pela manutenção do seu.