DIÁRIO DE UMA PANDEMIA (Dia 69; Dia 70; Dia 71)

Dia 69

20 de novembro de 2026

A pandemia me fez olhar com novos critérios os países do mundo e o Brasil.

Minha intenção era colocar um ponto final nos descaminhos da humanidade.

Minha intenção era parar tudo, como o dia em que a terra parou, no som do Raul Seixas.

Minha intenção, também era assim:

“Foi assim

No dia em que todas as pessoas

Do planeta inteiro

Resolveram que ninguém ia sair de casa

Como que se fosse combinado, em todo o planeta,

Naquele dia, ninguém saiu de casa, ninguém!”

No caso do sonho do Raul a terra parou porque ninguém sairia de casa porque sabia que o outro também não estava lá.

No caso atual, o mundo está parado por medo. Todos estão com medo… o medo que impulsionou o desenvolvimento humano, agora, diante do vírus da morte paralisou o mundo. E com isso o ser humano está mostrando sua face mais cruel!

No caso da nossa sociedade, como tudo está parado… ou parando…, tem gente dizendo assim: vamos soltar nosso mundo “na banguela”, talvez as coisas pegam no “tranco”!

Mas já sei que não vai dar.

Falta-nos a força necessária para empurrar ladeira abaixo, pra dar o tranco…

Falta-nos constatar, como o fez Moraes Moreira, em relação ao Brasil:

“Lá vem o Brasil, descendo a ladeira”

Falta-nos perceber que em sua música, ele queria falar da força e da garra da mulher brasileira. Aqui entre nós é diferente, o mundo todo está no declive, sem volta…. Descendo a ladeira em direção ao precipício!

Falta-nos cantar com a Banda Eva

“Meu amor, olha só, hoje o Sol não apareceu

É o fim da aventura humana na Terra

Meu planeta, adeus

Fugiremos nós dois na arca de Noé

Olha bem, meu amor, é o final da odisseia terrestre”

Se dermos crédito à Banda Eva, é o fim, mas neste caso não vamos nos despedir do planeta, e sim do nosso mundo!

Por isso a percepção das coisas está mais ou menos como no desespero do Sílvio Brito, quando ele cantou: “Pare o mundo que eu quero descer”:

“Para o mundo que eu quero descer,

Que eu não aguento mais escovar os dentes

Com a boca cheia de fumaça!

Você acha graça porque se esquece

Que nasceu numa época cheia de conflitos entre raças

Para o mundo que eu quero descer

Que eu não aguento mais tirar fotografia pra arrumar meus documentos

É carteira disso, daquilo que até já amarelou minha certidão de nascimento

E ainda por cima

Tem que pagar pra nascer, tem que pagar pra viver, tem que pagar pra morrer

[………...]

Tá tudo errado, tá tudo errado

Desorientado segue o mundo enquanto eu vou ficando aqui parado!

Oh! Oh! Tá tudo errado. Oh! Oh! Tá tudo errado

Eu só quero ter você comigo pra mandar o resto pros diabos”

Isso foi o que eu havia decidido: mandar não o resto, mas tudo pros diabos!

E aí se instalou a pandemia.

Um vírus mortal.

Que não perdoa ninguém.

Não mata a todos mas faz todos sofrerem muito.

E aí o mundo se revelou.

E aí as pessoas deixaram cair as máscaras

E aí o mundo se mostrou como realmente é.

E aí, vendo o comportamento das pessoas, dizendo que o mundo precisa mudar, que as pessoas “depois da pandemia” serão diferentes, que o mundo deu uma parada pra pensar com essa pandemia… que o mundo precisava rever seus valores… Só aí pude perceber que a hipocrisia continua sendo a primeira máscara do ser humano.

E aí eu percebi que mesmo depois da Pandemia, nada mudou. Ou, dizendo melhor: tudo mudou… para pior! O ser humano não está se saindo melhor, mas está se mostrando em toda a extensão de sua maldade...!

As pessoas continuam repetindo que o mundo será diferente, após a pandemia! Mas o que vejo cotidianamente não é isso!

Nada mudou!

Só o medo da doença.

Só o medo da morte.

Só o medo de se contaminar.

Só o medo de ser contaminado… e não a preocupação em se proteger para proteger o outro.

Só o medo aterrorizante, paralisante!

Isso mudou, pois as pessoas, agora, temem a continuação.

As pessoas que antes viam nos outros seus adversários, agora têm medo uma das outras, pois temem que o outro seja quem o infectará.

O outro, que antes era um concorrente, agora pode representar a cara da morte.

Então, na verdade, nada mudou.

Só aumentou o medo.

E as pessoas continuam achando que os outros tem que mudar, mas não tomam a iniciativa para ser melhor.

Então o Sílvio Brito que me desculpe, mas não dá mais pra “mandar o resto pros diabos”.

Do jeito que as coisas vão, o diabo virou dono do mundo, já é dono de tudo!

Dia 70

29 de novembro de 2026

Bastou alguns dias sem ver os noticiários e fiquei desatualizado.

Hoje, passo os olhos nas manchetes e, quem diria: o filho do presidente internado, passando mal, vítima do vírus da pandemia.

Recusou-se a tomar vacina e fazia campanha contra ela!

Tem repórter que é meio tolo.

Em compensação tem outros que valem por dois.

E sempre tem alguns que estão acima da média.

Pois esse doido tirou o presidente do sério.

E, ao mesmo tempo, colocou o homem numa “sinuca de bico”.

Imagina, na coletiva de hoje, ele recuperou a fala do presidente, sobre o vírus não atacar os homens e ser coisa de boiola.

A pergunta saiu “na lata”: “Presidente, seu filho é boiola? É que o senhor disse, alguns dias atrás, que essa é uma doença de boiola”

Ele só não foi expulso a pontapés porque os seguranças o convenceram a se retirar.

Mas ele saiu cobrando a resposta: “Diz, presidente: seu filho é boiola?”

Os noticiários são enfáticos: o filho do presidente realmente está mal.

Na verdade não queria que ele morresse.

Só quero ver o sofrimento estampado naquelas caras.

Talvez, com isso, diminuam as cenas e discursos homofóbicos e preconceituosos desse charlatão!

É a minha vitória: vê-lo encurralado, perdendo popularidade devido à sua estupidez!

Dia 71

29 de novembro de 2026

Finalmente, hoje, consegui uma ligação para falar com minha vizinha.

Conversamos bastante, mas ela está abalada: Chegaram os resultados dos seus exames.

Amanhã, bem cedinho vou até lá.

Vou levar sua cura.

Vou livrá-la do vírus.

Eu sei como fazer isso.

Ainda não sei como chegar até ela, no hospital.

Mas tenho que curá-la.

Não posso deixar que aconteça com ela o mesmo que se deu com minha mulher.

Eu saio bem cedinho.

A noite estarei lá.

Dou um jeito de medicá-la e lhe proponho casamento.