QUARENTENA - Luiz Gilberto de Barros - Luiz Poeta.

QUARENTENA - Luiz Poeta Luiz Gilberto de Barros Rio de Janeiro

Perdi o sono. São quatro e quarenta e cinco. Esquivo-me do edredom. Levanto-me cambaleante fragilizado.

Posgraduo-me em forçada, implacável e arbitrária solidão.

Tudo está menos poluído e mais perenemente silencioso.

Não brigo com meu destino ( rio-me dele... que também ri - despretensiosamente

e sem absoluta culpa

da minha mais tênue reflexão.

Lá fora, pombos se amam, emitindo despudorados e livres, lúgubres sussurros na ausência do ruído do motor dos carros.

Há muito não os ouvia nem os observava. Alguns os chamam de ratos voadores. Meu lirismo tornou-se-me columbinicamente apático a essas aves que evocam a paz e trazem antiéticos prenúncios de doenças.

Meus radares humanamente instintivos ocupavam-se com semáforos, freadas ou arrancadas bruscas... com um desconhecido na esquina ou com dois suspeitos em uma motocicleta...

Meu riso tímido distrai-se com meus próprios espelhos fictícios.

Que mansa sensação de pré desespero desnecessário! - até minha exclamação cambaleia nos ermos da minha precoce sensação de que o dia vai arrastar-se estranhamente rápido pelas sombrias alamedas da minha tropega inércia em slow motion, oriunda de noturnos e hipnóticos alprazolans.

O monofônico tic tac do velho relógio é um monocódico metrônomo esperando harmônicos insights em lá maior.

Uma gélida brisa outonal invade a casa pela porta de entrada... uma inusitada corizinha esgueira-se sem nenhuma diplomacia por uma narina e salga meu lábio superior.

Corro para um papel higiênico. A toalhinha senil faz cara feia.

Agora ouço bentevis e sanhaços.

Mais um dia de quarentena.

Eu e você que está me lendo neste momento

estamos abençoadamente vivos!!!

...aceita um café?

Às 16h e 20min do dia 14 de novembro de 2020. Publicacado e Registrado no Recanto das Letras.

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