Desconfiança

Após uma conversa e algumas palavras impensadas à mesa do jantar, a jovem

senhora pergunta ao marido, que ficou calado durante toda aquela cena:

“Você pensa que eu sou besta? Pensa que eu não percebi a forma como

falou sobre aquela sua colega de trabalho? Eu apenas havia pedido o nome dela.

Mas é claro que agora você vai me dizer que foi apenas o modo de falar, uma

gentileza sua. Aliás, mais uma, não é mesmo? Veja bem! Nós estamos juntos há

muito tempo; seria possível supor que você desistiria de tudo agora?

Desde o nosso primeiro encontro até hoje, após dez anos de casados,

mantive-me de pé, não desviei meus passos dos caminhos que traçamos juntos.

Mas você, que se julga tão santo, parece não compreender que eu tive que

renunciar a muitas coisas para estar ao seu lado. De fato, você nem parece

aquele homem que fazia de tudo por mim.

Eu não quero que tente se justificar. Não, nem comece! Acredito que

quanto mais você tentar se justificar, mais vai se enrolar nas próprias palavras.

Você vai fazer igual ao seu colega, de quem tanto dizia sentir pavor. Você

lembra? Você mesmo dizia que o que ele mais sabia fazer era mentir para a

esposa, e que aquilo te causava repulsa. Sinceramente, eu não sei mais no que

acreditar. Ainda bem que estou dentro da minha casa, pois, se alguém tiver que

sair por algum motivo, esse será você.

Aliás, já que estamos discutindo sobre nós, sobre o nosso futuro, seria

bom você começar a colocar as cartas na mesa. Vamos! Vamos descobrir o que

realmente importa para você. A partir de hoje eu que saber de tudo. Quero saber

por que você nunca me mostrou a fatura do seu cartão de crédito; quero saber

por que nossa conta no banco não pode ser conjunta, já que somos casados e

você diz que me ama tanto; quero saber também o porquê de você chegar tarde

em casa às quartas-feiras. Será que estou sendo paranoica após uma década

vivendo às cegas?

Embora eu te ame, prefiro continuar desconfiando de você. Não há como

confiar em uma pessoa que já acumula tanta coisa contra si. Tenho certeza de

que estaria assinando meu atestado de burrice; e para o seu governo, estou bem

acordada.”

O homem ouviu aquilo tudo calado. Quando ia deixando a mesa, a esposa

enfurecida ainda deixou algumas ‘orientações’, umas regrinhas básicas de

sobrevivência no casamento dos dois:

“Antes de o senhor ir tomar sua dose noturna de uísque, ou quem sabe lá

desabafar com a sua ‘amiguinha’ do trabalho, preste atenção nessas palavras

que vou te dizer. Vai doer mais em você do que em mim. A partir de hoje, eu

quero a senha do seu celular; também quero a senha da sua conta bancária;

quero que tire uma foto todos os dias ao sair do trabalho e envie direto a mim;

quero você em casa todos os dias da semana, antes das 18 horas; quero que

pare de falar com as mulheres lá do seu trabalho, porque isso me incomoda; e

para finalizar minha lista de pedidos, você não vai mais jogar futebol aos

sábados.”

O homem levantou-se e foi direto para o quarto. Na manhã seguinte foi

trabalhar, e à tarde já estava de volta, no horário que a esposa pedira. Entretanto

ele chegou em casa, brincou o seu cachorro e, ao ver a esposa na porta da casa,

entregou-lhe um documento, e disse:

“Está aqui a senha da conta do banco, a senha do meu celular, a rota do

GPS do meu trajeto até em casa, o extrato do meu cartão de crédito e tudo aquilo

que pediu, e muito mais. Porém aqui também está o documento da nossa

separação. Você pode fazer de tudo comigo, pedir o que quiser. Mas o futebol

você não vai tirar. Adeus!”

RENAN FILIPE
Enviado por RENAN FILIPE em 17/11/2022
Código do texto: T7652194
Classificação de conteúdo: seguro