đ” O supermercado hiper assaltado
Inocentemente, me dirigi Ă caixa do supermercado, coloquei a garrafa de Coca no balcĂŁo e aguardei a minha vez. Saindo do meu transe e reparando bem, notei que a demora se devia a um assalto. Obedecendo a autoridade de um revĂłlver, fui expulso para nĂŁo atrapalhar a âlimpezaâ da caixa registradora.
Fui ao estoque, esperar os âclientes preferenciaisâ serem atendidos. Chegando lĂĄ, o que vi mudou minhas impressĂ”es acerca da gravidade do evento: ajoelhados, clientes e funcionĂĄrios rezavam com muita fĂ©. O local nĂŁo era apropriado para aquela genuflexĂŁo forçada, mas, naquele depĂłsito imundo, eu somava, entre barras de sabĂŁo e pacotes de bolacha, Ă demonstração de fĂ©.
A cena ecumĂȘnica, emocionante, foi interrompida pelos disparos do revĂłlver. Os estampidos acrescentaram Ă s oraçÔes, os choros. Foi nesse momento que eu me entreguei ao âmuro das lamentaçÔesâ. O cenĂĄrio era, definitivamente, de fanatismo explĂcito em direção a Meca do que os fundos de um supermercado. Como nĂŁo estĂĄvamos em uma agĂȘncia bancĂĄria, nĂŁo havia cofre, entĂŁo estava praticamente descartada a probabilidade da quadrilha espalhar o pĂąnico.
Reconheci alguns dos âfiĂ©isâ. Apesar da pouca experiĂȘncia e inĂ©dita participação em assaltos, mantive a calma. Minha vida começou a ser reproduzida como um curta-metragem, mas interrompi aquele terrĂvel clichĂȘ e tentei lembrar das tĂĄticas dos filmes de assalto a banco. Entretanto, nĂŁo havia jeito, teria que sair daquela situação constrangedora. Foi o que fiz, pois eu sĂł queria sair daquele maldito supermercado vivo e com a garrafa de refrigerante.
Quando acabou a forçada transferĂȘncia de renda, esperei o som de âfim de festaâ para arriscar sair da toca. Sei que a minha humilde bebida nĂŁo compensaria o prejuĂzo causado pela expropriação, mas, Ă© claro, paguei a mercadoria.
Semanas depois, quando eu via aquele repositor, concentrado, entre latas de extrato de tomate e pacotes de sal, logo lembrava dele ajoelhado, rezando e murmurando aos prantos.