Vida Pretérita
– Me pergunto se o passado não estaria influenciando minha vida muito mais do que eu suponho. Não sei. Estou com uma preocupação de ficar olhando para umas décadas atrás e sentindo uma coisa meio ruim, sabe?
– Ora, meu Amigo, eu também. Eu também. Acho que é porque nós vivemos na mesma época e na mesma escola. No mesmo município. Partilhávamos de pensamentos comuns e nos falávamos com certa frequência. Isso nos marcou muito, não concorda?
– Sim. Tens razão.
– Entonces... Vês que essa época de agora não nos parece muito cômoda, muito feliz? Pois não. Ela não se parece em nada com aquela em que vivíamos há uns 20, 30, 40 anos... Éramos felizes; crianças ou adolescentes em fase escolar. Sonhos que nos marcaram a infância... Filmes na Sessão da Tarde... Colegas de Escola... Paqueras da escola... Paixões impossíveis... Sonhos que sonhávamos acordados. Você me disse, hoje à tarde, que reviu o caderno de Português da 7ª série, não? Com os pontos da Profa. Ângela. Qual a sensação mesmo?
– Uma estranha sensação. Muito estranha. Mesmo. Não saberia descrever a ti. Era algo como se tivesse sido feito uns dias atrás, mas, na verdade, data de três décadas atrás!
– Ah, sinto a Aura! Qual! Qual a Aura Benjaminiana, sacas? A sensação de algo que está perto no espaço e longe no tempo. Ou vice-versa. Ela tocou teu coração por alguns segundos, não?
– Talvez seja isso mesmo que acabas d dizer. Fui tocado pela Aura. O caderno estava acessível para mim no espaço, mas com anotações de décadas atrás. A mim, Amigo, o Tempo não existe. Estou lá, ainda, e em parte. Há uma parte minha mergulhada no Passado. Vida pretérita. Vida que parou no tempo. Enquanto todos os outros se foram.
Os dois se olham. E passam a comentar sobre o ingresso no Ginásio, em 1.990. (Esse papo não terminará tão cedo...)